sexta-feira, 30 de maio de 2008

Uma pergunta inesperada. O que você responderia?


O ÚLTIMO REVEILLON
Brizola costumava convidar a família e alguns amigos para passar o reveillon em seu apartamento, na Avenida Atlâ ntica. Mas na entrada de 2004, ao lado dos netos, bisnetos e do filho João Otávio, fui o único correligionário com mandato que ele chamou para o que seria o seu último reveillon. Foi uma noite inesquescível, porque conversarmos num momento em que o grande patriota já não tinha tantos amigos assim.
“Todas as crianças deveriam ter direito à escola, mas para aprender devem estar bem nutridas. Sem a preparação do ser humano, não há desenvolvimento. A violência é fruto da falta de educação”.
Leonel Brizola (1922-2004)
Já eram quase duas horas da tarde quando ia saindo do movimentado restaurante de saladas da Senador Dantas, ao lado do falecido Cine Vitória, quando fui abordado, ainda entre suas mesas, por um quarentão de bochechas salientes e uma boina que parecia servir só para esconder a careca:
- Porfírio, posso lhe fazer uma pergunta?
Assim de chofre aquela interpelação me deixou curioso. Péssimo fisionomista, de perder amigos e votos por não reconhecer pessoas, tinha a convicção de nunca ter visto aquela figura em toda a minha vida.
Mas ele, que almoçava um prato cheio de costas para a porta, já quase no fundo do restaurante que servia refeições a quilo, dirigira-se a mim com aquela intimidade de quem, no mínimo teria freqüentado a mesma arquibancada do Maracanã.
Hipótese que, se passou pela minha cabeça, logo descartei: há muito prefiro jogar minha pelada com os filhos e seus parceiros do que ir ao grande palco do futebol. Também pudera: o meu Bangu já não vê seu gramado a lustros.
Como não podia deixar de ser, por primária educação e elevado espírito público, postei-me, em pé, à espera da interrogação. Ele devia ser um grandalhão, porque, sentado, ficava ao meu nível, o que, aliás, não é nenhuma vantagem. Qualquer brasileiro é maior do que eu, como era do Getúlio, do Prestes e do nosso contemporâneo Jefferson Perez.
Olhando-me como alguém que tem algo guardado a sete chaves para jogar-me na cara, diante da minha manifesta disposição de ouvi-lo, ele deu uma mastigada e, finalmente, fez a pergunta, que parecia sair do fundo do coração:
- Você tem saudades do Brizola?
Confesso que esperava tudo, menos aquela inesperadíssima manifestação. E de tal sorte foi a surpresa que um mundo de dúvidas avançou sobre meu cérebro pronto para tudo, menos para oferecer uma resposta tranqüila.
Por que aquele cidadão me pararia só para perguntar algo que, certamente, até por uma questão de lógica, teria uma resposta na ponta da língua?
Mais uma vez peregrinei errante pelas sendas da memória. Tinha obrigação de identificar aquela figura insólita, a primeira a me surpreender com uma dúvida que caiu como uma cobrança, como se eu, além de tudo compadre do grande patriota, tivesse olvidado a torrente de ensinamentos que ele nos deixou ao longo dos seus 82 anos vividos intensamente.
Mas quanto mais cavucava, mais o cérebro negava fogo. Pensei: talvez, se o cidadão estivesse em pé, mostrando-se por inteiro, eu alcançaria algum sinal de um encontro fortuito, em algum lugar da minha vida atribulada.
Deu branco mesmo. Já devia ter decorrido mais de dez segundos, enquanto ele me olhava como se fosse um representante da história do Brasil, o semblante paralisado, como quem dissesse a si mesmo: peguei esse cara, já sei o que ele vai responder, mas quero saber de que palavras se servirá.
Fiz o que não costumo: respirei fundo. Contemplei outras tantas pessoas, que se sentavam solitárias nas mesmas mesas e não trocavam uma palavra. Tratavam, tão somente, de matar a fome no menor espaço de tempo, como se almoçar fosse uma compulsória obrigação fisiológica.
Depois de passar em revista aquela comunidade de ocasião, contemplando alguns rostos que pareciam espelhar preocupações, decidi finalmente pela resposta, se possível, a mais inteira possível:
- Qual o brasileiro que não sente saudade do Brizola?
Ele não gostou. Primeiro, porque não queria saber dos 180 milhões de compatriotas, mas de mim, com toda a sinceridade d`alma. Segundo, porque, como deixaria no ar, todos, sem exceção, só têm saudades do velho caudilho da boca para fora. Eu, inclusive.
Naquele momento, só me passava pela cabeça a idéia de me desvencilhar do curioso comensal. Ele continuava enchendo a boca com porções fartas de feijão e arroz, uma ameaça de, mesmo involuntariamente, espargir sobre minha camisa branca alguns grãos já recheados por suas salivas.
E eu tinha hora no minúsculo escritório da Senador Dantas para saber se já haviam decifrado a decisão do Órgão Especial que, por 13 a 4, extinguiu o mandado de segurança que, por liminar, pôs outro no meu lugar na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Decifrar, sim. Porque embora o usurpador estivesse no exercício de meu mandato por conta da liminar que caíra, minha advogada, da competentíssima equipe do professor Siqueira Castro, preferia esperar o acórdão, já que o mote da decisão teria sido a perda de objeto, como consta da informação no site do Tribunal de Justiça.
Mas o homem, de faca e garfo nas mãos, queria ouvir mais. Talvez um novo panegírico até mesmo uma palavra renegada, porque ele mesmo nada expunha e, afinal, de alguém que você nunca viu mais gordo pode esperar as mais diversas atitudes.
Mas eu tinha minhas obrigações com a hora. Se há uma coisa que me tortura é chegar atrasado a um compromisso. Incrustou-se em minha personalidade um fato ocorrido quando eu, já jornalista, aos 18 anos, fui a uma reunião com colegas de outros países, na Rádio Havana, em Cuba. Um francês chegou depois da hora e pediu desculpas pelo atraso de cinco minutos.
- Cinco, não, cinqüenta – observou o colega alemão. Se somos dez, subtraiu cinco minutos da vida de cada um, portanto, nos atrasou cinqüenta minutos.
Não ia contar essa história para o homem que não parava de mastigar, enquanto lançava seu olhar fulminante sobre mim. Não vou dizer que ele me segurou pelo braço, que isso não aconteceu. Mas eu próprio me sentia acorrentado ao homem interessado em saber se eu sentia saudades do Brizola.
Foi então que me veio à cabeça a coincidência. Agora em junho, para ser exato no dia 21, transcorrerá o quarto aniversário da morte daquele que dedicou todos os 37 milhões e 800 mil minutos de sua vida à missão de transformar para melhor a vida dos brasileiros, especialmente os pobres como foi ele em sua infância de engraxate e ascensorista.
E com essa lembrança, sobreveio-me a convicção de que aquela pergunta, na hora do almoço, feita por um homem que continuo sem saber quem é, até porque não me ocorreu sequer perguntar-lhe o nome, tinha muita razão de ser.
Será que os brasileiros têm uma idéia de quem realmente foi Leonel de Moura Brizola? Será que estamos à altura de seu exemplo, assim como os muçulmanos sunitas tanta importância dão aos 22 anos de pregação do seu profeta?
coluna@pedroporfirio.com

Um comentário:

Anônimo disse...

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