MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 26 DE MAIO DE 2008
“Eu acredito que a opção pela luta armada foi um erro. Eu já achava naquela época. Enquanto estive solto, o meu grupo político não fez ação armada”.
Vladimir Palmeira, em entrevista ao site do Zé Dirceu em 28.3.2008
Sabia que minhas náuseas diante do patrulhamento nostálgico dos órfãos da ditadura provocariam reações epidérmicas de gregos e troianos. Pelo que sinto, o que escrevo, aliás, pode ser catalogado como carga pesada, ou, como virou lugar comum dizer, nitroglicerina pura.
Mas compensa seguir a trilha da pirambeira. Entre um espasmo e outro, deu gosto receber alguns depoimentos de contemporâneos daqueles dias que se incluem entre os 99% dos militares que nada tinham com os porões da ditadura, até porque, como já contei um dia, também a eles era vedado o acesso aos açougues da tortura.
Mais do que polemizar com alguns que ainda tentam desesperadamente anistiar os choques elétricos, as sevícias nos “paus-de-arara” e os assassinatos covardes com requintes da mais insana perversidade, como aconteceu com o jovem Stuart Angel Jones, cabe ir fundo na avaliação da esterilização política promovida pela ditadura.
Toda essa amarga constatação de um cenário político dominado por um submundo de corruptos e ladrões tem raiz no processo traumático que silenciou as mais lídimas utopias juvenis e empurrou a moçada de ontem e de hoje para o impropério das refinadas arapucas.
Bicho de sete cabeças, o sistema, que levou os militares ao golpe e depois deles se descartou como bagaços de laranja, não brinca em serviço. É regado por um orçamento anual superior a meio trilhão de dólares, dinheiro que não acaba mais. Isso falando só do que é arrancado do contribuinte norte-americano.
Pragmático, optou por novos personagens e figurinos mais alegres. Trocou o choque elétrico pelo choque da eletrônica, o rosto carrancudo dos endemoninhados pelo sorriso cínico dos endiabrados.
Esse sistema é capaz de operar com precisão milimétrica as atitudes de boa parte dos líderes e formadores de opinião, além de ludibriar a população, recorrendo a técnicas que vão desde a exacerbação dos ressentimentos, à imobilização das massas famélicas com migalhas compensatórias, à sustentação dos antigos fantasmas encarnados, até o suborno puro e simples de quem um dia já pensou com o próprio cérebro ou pode vir a pensar amanhã.
Mudança de fachada
Não seria exagero afirmar que a pós-ditadura como aconteceu no Brasil é apenas uma variável do mesmo projeto colonial. Porque persistem suas eminências e seus cordéis. E isso se faz às escâncaras, sem escrúpulos e sem constrangimento. A personificação desse elo está na figura do homem que foi o tzar da economia à sombra dos generais da intolerância.
O mesmo é de fato neste lustro o verdadeiro ministro da Fazenda do ex-sindicalista, embora não ocupe um único cargo formal, tal como aconteceu no tucanato com o diplomata banqueiro, que é o mais imponente exemplar do servidor ambivalente.
Eu diria que o sistema está hoje totalmente por cima da carne seca entre nós, como esteve na era do “prende e arrebenta”. A diferença é de roupagem. De onde a ralé continua procurando chifre em cabeça de burro, enquanto a caravana chique desfila de caras novas, de costas para os idos da insurgência e de olho para os vindos do bem bom.
A catilinária de hoje têm origem no ciúme doentio porque a fila andou. Serviçais dos poderosos são fartos no mercado dos falsos brilhantes. Não é difícil a reposição. Mais bem cotados agora são os que ostentam semblantes maquiados, pronunciam discursos eloqüentes e encenam bravatas voláteis.
Outros não. São cães raivosos que ainda não descobriram a inversão dos papéis ou não aceitam serem trocados por antigos “infantes terribles”. Falta-lhes o “talento” do fidalgo José Ribamar de Araújo Costa, codinome Sarney, que teve as bênçãos do Dr. Jango, virou-lhe as costas para servir com unhas e dentes ao regime do arbítrio e no, acender das luzes, tornou ao lar doutrora, ganhando de lambuja um mandato presidencial jamais esperado e uma cadeira no Senado por um Estado que mal conhecia.
Chego a ter dó dos nostálgicos que vituperam contra os arlequins que viraram a casaca e ganharam prêmios, como é dos hábitos milenares. A insurgência agora só entra no rodapé da ficha para revestir de sabor cremoso a prestação de serviços aos donos do mundo - os agiotas de fino trato e os fabricantes de armas e de guerras.
Como são míopes incuráveis, os patrulheiros do passado vão ficar aí chovendo no molhado, porque ainda não viram a banda passar. Pior: nem perceberam que já foram solenemente descartados pelo império que, aliás, em queda livre, vai sofrer sua própria catarse pelas mãos do mulato afrodisíaco.
Jovens sem rumo
Queriam ver a juventude fora de combate e conseguiram. Agora, já não está na agenda o confronto utópico, a busca do mundo melhor que a má fé sataniza como projeto de uma ditadura vermelha (escondem a odisséia sandinista, revolucionária e democrática, que os desmascara), mas acabaram tendo de conviver com o verde da maconha e os embalos lisérgicos de sábado à noite.
Os recalcitrantes da paranóia anticomunista estão lendo os alfarrábios das traças, enquanto noviços rebeldes d`antão já viraram a página. Quer saber? Dá uma olhada na entrevista do Vladimir Palmeira ao Zé Dirceu, em março passado. Basta clicar aqui.
Eu ainda prefiro a pureza da rebeldia à maturidade da conveniência. Prefiro a menina Dilma dizendo “Não”, do que a coroa Rousseff dizendo “sim, senhor”. Mas os jovens rebeldes não existem mais. Ou canalizaram a adrenalina para as dores de cotovelo. Os pequenos burgueses estão apavorados. Nem o canudo de papel lhes assegura pão e água. E seus pais já não dispõem do numerário para lhes permitir alçar-se embalados pelos sonhos novos.
A avalanche capitalista não tem vísceras. Hoje, a grana só sobra na mão de meia dúzia, que dominou geral, submetendo os do meio, urbanos e suburbanos, a esterco do cavalo do bandido. Até os intelectuais e artistas perderam o charme e alugam-se sem brilho a qualquer mecenas.
Há um estado novo guardado e gerenciado por intrépidos arrivistas, punguistas de alta linhagem e velhas raposas. Da mescla desses acadêmicos da esperteza, temidos em todos os poderes e em todos os entes, resulta isso que está aí.
A sorte é que a história é implacável. Para todos e qualquer um subsiste a fatalidade do desmoronamento das casas alicerçadas no charco. Foi assim com os intolerantes de coturnos; assim será também com os mocinhos de colarinho e macacão que os sucederam.
coluna@pedroporfirio.com
Vladimir Palmeira, em entrevista ao site do Zé Dirceu em 28.3.2008
Sabia que minhas náuseas diante do patrulhamento nostálgico dos órfãos da ditadura provocariam reações epidérmicas de gregos e troianos. Pelo que sinto, o que escrevo, aliás, pode ser catalogado como carga pesada, ou, como virou lugar comum dizer, nitroglicerina pura.
Mas compensa seguir a trilha da pirambeira. Entre um espasmo e outro, deu gosto receber alguns depoimentos de contemporâneos daqueles dias que se incluem entre os 99% dos militares que nada tinham com os porões da ditadura, até porque, como já contei um dia, também a eles era vedado o acesso aos açougues da tortura.
Mais do que polemizar com alguns que ainda tentam desesperadamente anistiar os choques elétricos, as sevícias nos “paus-de-arara” e os assassinatos covardes com requintes da mais insana perversidade, como aconteceu com o jovem Stuart Angel Jones, cabe ir fundo na avaliação da esterilização política promovida pela ditadura.
Toda essa amarga constatação de um cenário político dominado por um submundo de corruptos e ladrões tem raiz no processo traumático que silenciou as mais lídimas utopias juvenis e empurrou a moçada de ontem e de hoje para o impropério das refinadas arapucas.
Bicho de sete cabeças, o sistema, que levou os militares ao golpe e depois deles se descartou como bagaços de laranja, não brinca em serviço. É regado por um orçamento anual superior a meio trilhão de dólares, dinheiro que não acaba mais. Isso falando só do que é arrancado do contribuinte norte-americano.
Pragmático, optou por novos personagens e figurinos mais alegres. Trocou o choque elétrico pelo choque da eletrônica, o rosto carrancudo dos endemoninhados pelo sorriso cínico dos endiabrados.
Esse sistema é capaz de operar com precisão milimétrica as atitudes de boa parte dos líderes e formadores de opinião, além de ludibriar a população, recorrendo a técnicas que vão desde a exacerbação dos ressentimentos, à imobilização das massas famélicas com migalhas compensatórias, à sustentação dos antigos fantasmas encarnados, até o suborno puro e simples de quem um dia já pensou com o próprio cérebro ou pode vir a pensar amanhã.
Mudança de fachada
Não seria exagero afirmar que a pós-ditadura como aconteceu no Brasil é apenas uma variável do mesmo projeto colonial. Porque persistem suas eminências e seus cordéis. E isso se faz às escâncaras, sem escrúpulos e sem constrangimento. A personificação desse elo está na figura do homem que foi o tzar da economia à sombra dos generais da intolerância.
O mesmo é de fato neste lustro o verdadeiro ministro da Fazenda do ex-sindicalista, embora não ocupe um único cargo formal, tal como aconteceu no tucanato com o diplomata banqueiro, que é o mais imponente exemplar do servidor ambivalente.
Eu diria que o sistema está hoje totalmente por cima da carne seca entre nós, como esteve na era do “prende e arrebenta”. A diferença é de roupagem. De onde a ralé continua procurando chifre em cabeça de burro, enquanto a caravana chique desfila de caras novas, de costas para os idos da insurgência e de olho para os vindos do bem bom.
A catilinária de hoje têm origem no ciúme doentio porque a fila andou. Serviçais dos poderosos são fartos no mercado dos falsos brilhantes. Não é difícil a reposição. Mais bem cotados agora são os que ostentam semblantes maquiados, pronunciam discursos eloqüentes e encenam bravatas voláteis.
Outros não. São cães raivosos que ainda não descobriram a inversão dos papéis ou não aceitam serem trocados por antigos “infantes terribles”. Falta-lhes o “talento” do fidalgo José Ribamar de Araújo Costa, codinome Sarney, que teve as bênçãos do Dr. Jango, virou-lhe as costas para servir com unhas e dentes ao regime do arbítrio e no, acender das luzes, tornou ao lar doutrora, ganhando de lambuja um mandato presidencial jamais esperado e uma cadeira no Senado por um Estado que mal conhecia.
Chego a ter dó dos nostálgicos que vituperam contra os arlequins que viraram a casaca e ganharam prêmios, como é dos hábitos milenares. A insurgência agora só entra no rodapé da ficha para revestir de sabor cremoso a prestação de serviços aos donos do mundo - os agiotas de fino trato e os fabricantes de armas e de guerras.
Como são míopes incuráveis, os patrulheiros do passado vão ficar aí chovendo no molhado, porque ainda não viram a banda passar. Pior: nem perceberam que já foram solenemente descartados pelo império que, aliás, em queda livre, vai sofrer sua própria catarse pelas mãos do mulato afrodisíaco.
Jovens sem rumo
Queriam ver a juventude fora de combate e conseguiram. Agora, já não está na agenda o confronto utópico, a busca do mundo melhor que a má fé sataniza como projeto de uma ditadura vermelha (escondem a odisséia sandinista, revolucionária e democrática, que os desmascara), mas acabaram tendo de conviver com o verde da maconha e os embalos lisérgicos de sábado à noite.
Os recalcitrantes da paranóia anticomunista estão lendo os alfarrábios das traças, enquanto noviços rebeldes d`antão já viraram a página. Quer saber? Dá uma olhada na entrevista do Vladimir Palmeira ao Zé Dirceu, em março passado. Basta clicar aqui.
Eu ainda prefiro a pureza da rebeldia à maturidade da conveniência. Prefiro a menina Dilma dizendo “Não”, do que a coroa Rousseff dizendo “sim, senhor”. Mas os jovens rebeldes não existem mais. Ou canalizaram a adrenalina para as dores de cotovelo. Os pequenos burgueses estão apavorados. Nem o canudo de papel lhes assegura pão e água. E seus pais já não dispõem do numerário para lhes permitir alçar-se embalados pelos sonhos novos.
A avalanche capitalista não tem vísceras. Hoje, a grana só sobra na mão de meia dúzia, que dominou geral, submetendo os do meio, urbanos e suburbanos, a esterco do cavalo do bandido. Até os intelectuais e artistas perderam o charme e alugam-se sem brilho a qualquer mecenas.
Há um estado novo guardado e gerenciado por intrépidos arrivistas, punguistas de alta linhagem e velhas raposas. Da mescla desses acadêmicos da esperteza, temidos em todos os poderes e em todos os entes, resulta isso que está aí.
A sorte é que a história é implacável. Para todos e qualquer um subsiste a fatalidade do desmoronamento das casas alicerçadas no charco. Foi assim com os intolerantes de coturnos; assim será também com os mocinhos de colarinho e macacão que os sucederam.
coluna@pedroporfirio.com
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