Tendo entre seus cabeças o coronel Burnier, o temido brigadeiro da ditadura, a rebelião de Aragarças contra o presidente JK, em dezembro de 1959, fez o primeiro sequestro de um avião comercial no Brasil. Quatro meses depois, com o apoio do próprio Juscelino, os sequestradores do Constellation da Panair foram anistiados pelo Congresso e retornaram a seus postos na Força Aérea. O jornalista Campanella Neto, que estava a bordo, documentou a prisão dos amotinados. Foi ele também quem escabou do cativeiro e informou a José Silveira da localização dos golpistas.
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 18 DE ABRIL DE 2008
"Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados."
Ulisses Guimarães
A história é movida pelas minorias. Tenho que concordar com Oscar Wilde e com todos os que atribuem às vanguardas as mudanças que sacudiram o mundo. Minorias também esculpem os rostos das instituições e travam os confrontos de opinião.
Em algumas civilizações, essas minorias são ainda mais ínfimas e cada vez mais desinformadas. Entram no debate das grandes causas com um precário estoque de conhecimentos, com o mesmo acervo dos torcedores de futebol.
Essa é a razão da pobreza visível das idéias expostas. Eu já não falo dos profissionais da pena, que, como profissionais, não são diferentes de Alcindo Guanabara, o editorialista do início do século passado que perguntou ao dono do seu jornal se era para escrever contra o a favor de Cristo no editorial sobre a semana santa.
Falo dessa safra que a Internet tem produzido. Todos hoje dispõem de uma ferramenta capaz de enfrentar os donos da palavra. Agora, mais do que antes, podemos vivenciar o sonho de Lautreamont, para quem a arte será feita por todos.
Esses todos não são todos, mas já são alguns além dos profissionais. O problema, no entanto, é que a cultura de superfície empurra para axiomas voláteis. A pessoa conclui na velocidade de um raio e esparge suas opiniões pelos quatro cantos, numa de que é isso e lá vai fumaça.
Eu lhe pergunto: seja sincero, você já leu o artigo 8º das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988? Ele é o ponto de partida de qualquer interpretação dos atos da Comissão de Anistia. E, com ele, há que considerar as leis produzidas para torná-lo efetivo. Leis, aliás, que em alguns casos, como a 10.559/02, esclareceu alguns pontos, mas acabou misturando as bolas, especialmente em relação aos oficiais anistiados.
O artigo Oitavo
Como você, a maior parte desses palpiteiros de plantão, que tomaram o benefício dado a alguns jornalistas como mote para falas indignações e estúpidas indignidades, nunca tiveram o trabalho de sequer dar uma olhada no artigo constitucional que é a raiz dos reparos.
Por isso, faço questão de transcrevê-lo:
“Art. 8º É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto- Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.
§ 1º – O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo.
§ 2º – Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.
§ 3º – Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S- 50- GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S- 285- GM5, será concedida reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição.
§ 4º – Aos que, por força de atos institucionais, tenham exercido gratuitamente mandato eletivo de Vereador serão computados, para efeito de aposentadoria no serviço público e previdência social, os respectivos períodos.
§ 5º – A anistia concedida nos termos deste artigo aplica- se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto- Lei nº 1.632, de 4 de agosto de
1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º.
Como você vê logo no caput do artigo 8º, a anistia reparadora não se aplica exclusivamente às vítimas de perseguições no regime militar. Por sua natureza, alcança a todos os afetados por erros do Estado desde 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988".
Abrangente, mas incompleta
Essa abrangência denuncia a percepção do constituinte sobre a natureza dos danos políticos, que podem ter ocorrido antes de 1964 e consolida os procedimentos. No governo JK, houve duas importantes sedições militares – Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959). Embora os militares que seqüestraram um Constellation da Panair, em vôo comercial entre Rio e Belém, tenham sido anistiados por iniciativa do próprio presidente, o artigo da Constituição de 1988 voltou a beneficiá-los, porque em 1969 a Junta Militar baixou o Decreto 864, que negava o direito a reversão ao serviço. Alguns dos amotinados de então estavam dando as cartas na ditadura.
Quando abrange os beneficiados pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, a norma constitucional remonta a todos os atingidos desde 1934, embora nesse decreto a reparação econômica não esteja explicitada.
Estamos, pois, diante de uma legislação muito mais ampla do que imaginam os nostálgicos do regime militar. Ela está em sintonia com o ambiente de direito em todo o mundo e acaba sendo “neutra”, na medida em que considera que a reparação das vítimas, de natureza civil, pecuniária, é o suficiente para responder o velho instituto da compensação devida pelo Estado e até pela Justiça quando o abuso afeta a vida dos cidadãos.
Neste ponto, ela é precária. O Estado de Direito pede desculpas pelos danos morais e paga seu preço, na forma indenizatória. No entanto, os agentes públicos escapam do julgamento de seus abusos, capitulados no Código Penal e em vasta legislação a respeito.
Essa lacuna, sim, é que precisa ser discutida. Porque o reparo econômico não seria devido se não fosse pela violência perpetrada pelos esbirros que permanecem impunes com aposentadorias muito maiores do que as concedidas às suas vítimas.
coluna@pedroporfirio.com
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