domingo, 6 de abril de 2008

Aos que acreditam que o alvorecer é para todos




Tendo vivido até os 94 anos, o espirituoso Bernard Shaw nunca foi de jogar conversa fora e ainda se deu ao luxo de recusar o Prêmio Nobel de Literatura (1 milhão de dólares) que lhe foi conferido em 1925.


MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 7 DE ABRIL DE 2008

“Já poderíamos ter o socialismo, se não fosse pelos socialistas”.
George Bernard Shaw, escritor irlandês (1856-1950).

As forças e os interesses das elites dominantes sempre se nutriram dos erros dos que se consideram progressistas. Essa não é uma sina exclusiva do Brasil, muito menos do Rio de Janeiro. Parece uma doença existencial que afeta todos os que se colocam no campo da oposição ao sistema, ainda que muitos o façam por mero oportunismo.
Devo dizer que o inverso também acontece. No Brasil, essa troca de figurinhas tem sua máxima expressão nos questionamentos do governo do sr. Luiz Inácio. Quem tem uma oposição como essa - raivosa, preconceituosa e hipócrita - não precisa de aliados. Os aloprados do contra são mais inseguros, mais tensos, mais precipitados, mais incoerentes.
A política de hoje, diga-se, é um mar morto tomado por línguas negras e infestado por barcos furados. Porque a política que se faz não é prerrogativa dos portadores de carteirinhas. Ou você não percebeu que o Poder Judiciário já foi contagiado pelos mesmos gostos dos políticos e por eles decide com penadas ao alvedrio das ondas?
Como a política é essa penúria deprimente, essa coudelaria de mediocridades, OUSAR analisá-la para além dos interesses pequenos de cada um é um ato temerário. Porque se é da espécie humana cultivar a lisonja, com esses marimbondos do poder a vindita é inevitável quando lhes dizemos na cara as verdades que não lhes convêm.
Faço todo esse nariz de cera como indispensável profilaxia para chamar à responsabilidade os políticos do “campo popular” aqui neste Rio de Janeiro, já que aos conservadores não carece conselhos: eles são competentes e agem conforme os manuais e bússolas de última geração.
Falo aos “progressistas” por me sentir incomodado com a superposição de interesses pessoais sobre o conjunto, o culto das intrigas, as meias verdades, numa de que “eu tenho que ter uma oportunidade” embora seu desejo existencial possa servir para a “entrega do ouro ao bandido”.
Mudar é possível
Incomoda-me, igualmente, a produção de “direitos” decorrentes de situações incidentais e a prevalência de briguinhas rasteiras, como se desavenças pessoais falassem mais alto. Sinceramente, boa parte das posturas de alguns políticos só tem solução no divã do psicanalista ou na boca do cofre.
A cidade do Rio de Janeiro, por todo o seu histórico, pela contribuição que ofereceu ao país nas horas mais difíceis, não merece esse enxame de egocêntricos empedernidos. Quer brincar com fogo, dane-me, mas não invente fogueiras para queimar os próprios parceiros.
Vê se consigo fazer-me entender: até o próprio sabe que estamos no fim de 16 anos de gestão personalista, que foi moda por acaso e ainda chega ao seu epílogo na contra-mão de sua base social.
Os ciclos na política são tão curtos no Brasil que o próprio regime militar, de forma criativa e sui generis, se reoxigenou na alternância de generais de diferentes matizes.
No Rio de Janeiro, essa fatalidade afetou também o mais apaixonado dos homens públicos, aquele que se investiu de um sentimento missionário e messiânico, que jamais será esquecido pelo povo, mas que amargou derrotas contundentes na sua fase crepuscular.
Temos claro, então, que se está esgotando um ciclo de forma tão negligente que traz em seu ventre antídotos de toda natureza, cada um querendo ser a medicação mais adequada para protagonizar a “boa nova”.
Dir-se-ia que o conservadorismo das elites perdeu seus menestréis. Mesmo o governador, que se pretende herdeiro das paranóias ideológicas, que ao poder chegou pelas mãos dos que agora abomina, também não estudou no catecismo das catacumbas e, por dado a perfídias, traiu seu escolhido para se safar com o chapéu alheio.
Deu-se então a efusão de uma cintilante constelação de novos brilhantes, falsos ou não, todos, no entanto, à cata das mesmas fontes que, por si, não são mananciais para tanta sede de poder.
Enquanto a prudência matemática limita os impulsos dos conservadores e consegue mantê-los vivos, à espreita, no aguardo da autodestruição dos opostos, estes, cheios de si e na maior euforia, indiferentes à rara oportunidade que se oferece à turba, assumem o proscênio, nem que isso seja só para garantir hoje, na disputa do Executivo, a reeleição parlamentar de amanhã.
Uma nova autofagia
Temos uma variedade de pretendentes ao altar em nome das mesmas orações. São pessoas de fichas corridas respeitáveis, mas que, na imprudência das avaliações ao gosto, pensam que vão chegar a algum lugar quando, visivelmente, nada mais farão do que produzir a autofagia que dará nova vida aos semimortos das elites.
O mais grave nesse espetáculo narcisista é a agressão dos fatos. Desse leque que se auto-proclama a salvação da lavoura, já se sabe quem realmente pode chegar lá. E também quem não tem como decolar, nem que a porca tussa.
Eu não falo do antigo “companheiro,” para quem o melhor daquele sonho acabou. Não posso querer que ele abra mão do maquinário posto à disposição pelo império midiático que faz e desfaz prepostos.
Esse querido “companheiro” de outrora está sendo iluminado pelos refletores que antes davam brilho ao personagem agora descartado. Caberá a ele mostrar que o histrionismo exibicionista vale mais do que o estetoscópio.
Também não vejo como chamar às falas aquele que se fez na irmandade “companheira”, votou disciplinadamente a supressão dos direitos previdenciários e depois, por ver disponível um boqueirão para sua carreira, foi em busca de novas emoções.
Mas os herdeiros de Brizola, aquele que estava na liça por vocação, não podem perder de vista as lições dos últimos revezes, tão humilhantes que quase levaram ao apagar das luzes.
Estes não têm o direito de fechar os olhos, por delírio ou por pirraça, esquecendo os ensinamentos de humildade do grande homem que não se sentiu diminuído ao ser vice daquele que percorrera metade do seu caminho, ainda pavimentado sabe Deus por quem.
Se não estivéssemos diante de evidências tão gritantes, eu até dava um desconto. Mas hoje está claro que se estivesse vivo, o bom samaritano estaria conversando com a intrépida guerreira que tem tudo para enfrentar as enfermidades que nos mantêm reféns de mosquitos assassinos e besouros larápios.
Se houver o mínimo de sensibilidade e o máximo de despojamento, estarão juntos, com possibilidade de uma vitória emblemática, os que ainda acreditam que o alvorecer é para todos.
coluna@pedroporfirio.com

3 comentários:

Anônimo disse...

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A política, não só a nacional, mas a vivenciada pelos outros países, vive ao sabor das idiossincrasias do deus mercado, de humor mercurial. O atual estágio do capitalismo, de feição financista, não deixa nenhum espaço para o fazer política - entendida como a atividade social onde prepondera a dialética das opiniões. O que vemos hoje é o rolo compressor de interesses econômicos se sobrepondo a tudo e a todos, até mesmo aos próprios, quando confrontados com forças econômicas maiores. Não sei se daria a isto o nome de darwinismo contemporâneo ou de uma autofagia social, mas certamente em algum momento não sobrará ninguém pra contar o fim da história.

Anônimo disse...

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