quinta-feira, 13 de março de 2008

Relato de um momento de incerteza e amargura

"Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente".
Sócrates, filósofo grego ( (
470 a.C. - 399 a.C.)

Para onde quer que eu olhe vejo o espectro aterrador – espectro de uma Justiça madrasta. Plenipotenciária, inquestionável, essa instituição histórica derrama sobre meu cérebro nervoso doses cavalares de paranóia.
Eu quero falar dela, mas um superego covarde me manda calar a boca. Quero dizer que vivo hoje uma sensação de impotência muito maior do que naqueles tempos que todo mundo agora condena.
Quero gritar, mas o grito fica parado no ar como se o fantasma me avisasse: cuidado, seu grito poderá ser usado contra você.
Quero contar o que está acontecendo, sem usar uma só palavra indevida; quero apenas narrar a dor de uma tortura prolongada, fria, inacreditável. Mas temo sinceramente pelas conseqüências.
Não sou o único nesse universo dantesco, esse inferno sofisticado, esse pesadelo sem fim. Não, eu não clamo só pelo uso perverso de faculdades emergenciais banalizadas, que fazem com que a Lei seja menor do que o árbitro.
Lamento, sim, do fundo d’alma, pela sensação do sacrifício vão. Eu me postei diante dos tanques e disse: ofereço minha juventude pelo retorno do regime de direito, aquele baseado no sagrado princípio do CONTRADITÓRIO.
Disse isso mais de uma vez até que um dia paguei por isso. Arrancaram-me aqui mesmo da redação desta heróica TRIBUNA DA IMPRENSA e me jogaram nos porões da tortura.
Foram tempos notórios, que tinham o mérito da exposição sem subterfúgios. Era aquilo, seria transitório, mas era aquilo com todas as letras, com todo o ônus que o estado autoritário ensejava. Decorridos 43 anos da ruptura, a controvérsia perdurará, mas não há porque deslustrar seus atores, de parte à parte.
Antes não tinha medo
Era aquilo, mas aquilo não me metia medo, porque não me surpreendia. Eu paguei um preço, com a privação da liberdade por um bom tempo, mas estava consciente de que fizera uma opção na recusa da situação de fato.
Hoje, que a moda é jogar pedras naquilo, eu chego a me questionar: nestes dias de arbítrios dissimulados, quem pode atirar a primeira ou a segunda pedra?
É um arbítrio tenso porque produzido no último bastião do direito. Era ali que eu devia encontrar a segurança jurídica e, no entanto, é dali que disparam peças de uma artilharia blindada, na negação dos seus próprios regimentos, de suas próprias regras.
Você sabia que uma liminar tudo pode? Sabia que essa liminar, que teria um caráter precário, limitada no tempo, pode adquirir foros de lei pela sua perpetuação ad infinitun, conforme o entendimento do árbitro?
Você não vai acreditar, mas já pensei em tudo para resgatar um direito suprimido por uma medida liminar que está há três longos meses à espera de ser levada ao colegiado do Órgão Especial.
Pensei mas tive que me conter, porque não sou mais aquele jovem inquieto que se deu por inteiro à causa em que acreditava. Pensei mas preferi esperar pela crença de que vivo uma tragédia tão absurda que ninguém pode mantê-la pelo tempo que me resta de mandato.
Imagina o contra-senso: a decisão que me afetou parte do princípio insustentável de que eu teria renunciado ao mandato antes mesmo da eleição. Pode? É só ver o tal “documento” juntado ao processo do suplente beneficiado. Não foi devidamente preenchido e é datado de 2004, sem mês e sem dia. O que você acha?
Mesmo assim, um desembargador foi induzido a acreditar que houve “uma renúncia irretratável”.
E aí é que um fantasma atormenta como uma peça de filme de terror. Já está à disposição dessa autoridade judicial a documentação que baliza o contraditório. Neste momento, o processo está concluso ao relator, que poderá submetê-lo ao Órgão Especial quando se considerar convencido de que poderá emitir seu voto.
Mas esse processo é, na verdade, o desdobramento de outro, que corre numa Câmara Cível. A liminar foi concedida contra uma decisão da desembargadora-relatora dessa Câmara, que adotou uma decisão monocrática.
Uma demora eterna
Nos dois fóruns, o interessado em evitar o julgamento se vale do recurso das novas petições. Isto é: o que seria um rito processual tranqüilo não anda. Como não anda, ele vai ficando no meu lugar, com base na tal “renúncia” que nunca ocorreu, até porque, como já definiu o pleno do TRE, essa teria que ocorrer perante a casa legislativa e a partir da posse.
Mas não é só isso, não. O referido suplente trocou de partido depois do dia 27 de março de 2007, data estabelecida em resolução do TSE, com base em decisão do STF, para caracterizar infidelidade partidária.
Ao desfiliar-se, um mês depois de filiar-se a outro partido, o mesmo suplente nada alegou. Simplesmente comunicou que estava saindo.
Fez isso no dia em que a juíza titular da 6ª Vara da Fazenda Pública proferiu sentença, denegando seu mandado de segurança. Isto é, a pendência dirigida em primeira instância, só poderia ser objeto de apelação – não caberia mais agravo sobre uma matéria que já tinha sido decidida.
Há três processos no TRE dependendo de citações. Agora, é questão de dias. Será? Pelo que pude observar, a corte eleitoral está procurando cumprir os prazos e agir com a celeridade necessária. Mesmo assim, o prazo de 60 dias estabelecido pela resolução do TSE já foi vencido.
O que é que você imagina que passa pela minha cabeça? Sinceramente, não ia tocar no assunto hoje. Mas eu não sou de ferro. Sou um ser humano que tem coração, pensa e se considera conhecedor dos seus direitos.
O que você faria se tivesse no meu lugar? De um lado, posso estar sendo precipitado, querendo a Justiça seja o que não pode ser, uma vez que a legislação processual é vulnerável a manobras protelatórias.
De outro lado, porém, não posso aceitar que essa mesma Justiça tenha sido tão ágil na hora de me “cassar” o mandato, como se eu fosse um desses políticos pegos com a mão na massa.
É isso que me exaspera e me leva ao seu ombro amigo, para balbuciar as únicas palavras que podem sair do meu cérebro sofrido. Afinal, nessa questão, eu me sinto muito sozinho entre meus “pares”. E isso, com certeza, eu não mereço.
Neste dia 18, estarei fazendo 65 anos. Quando estava no cárcere da ditadura, achava que aqueles longos meses pareciam uma eternidade. Hoje, porém, tenho uma sensação mais dramática, até porque um mandato popular tem data e hora para findar.
coluna@pedroporfirio.com

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