MINHA COLUNA NO JORNAL POVO DO RIO DE 11.03.2008
A Igreja Católica Apostólica e Romana sempre exerceu forte poder de influência sobre os assuntos de governo, que não são de sua competência, porque o Brasil é um país laico desde a Proclamação da República.
Enquanto investe contra outros segmentos do cristianismo, que crescem a olhos vistos, acusando-os de interferir na política, é ela quem realmente ainda tem sido implacável na sustentação de seus dogmas, que não podem se confundir com as leis do país.
Como o Brasil ainda é um país majoritariamente católico, e como os católicos estão nos centros dos poderes, ela cobra fidelidade dogmática dos seus fiéis, como uma boa dose de intolerância.
Uma intolerância que, infelizmente, ninguém tem coragem de denunciar, até porque ela costuma ser implacável com os que não seguem suas determinações.
O que está acontecendo com esse veto religioso às pesquisas com células embrionárias remonta os tempos obscurantistas da inquisição, em que os “hereges” eram queimados na fogueira.
Qualquer um sabe que se não forem usadas para a cura de milhares de pessoas, essas células embrionárias não terão nenhuma utilidade. Dizer que elas já representam vida é o fim da picada, é forçar a barra mais da conta.
Mas a Igreja Católica Apostólica e Romana, que perde terreno diariamente para denominações evangélicas, quer por que quer que os assuntos de saúde pública desprezem o imenso potencial que a ciência oferece. Quer porque, ao longo de sua história, essa igreja comandada pelo Estado do Vaticano, nunca assimilou os avanços da ciência, mesmo quando eles representam, como no caso das células embrionárias, a possibilidade de fazer milhares de deficientes físicos andarem, de encontrar uma cura para doenças tão graves como a diabete.
Foi por ser católico fervoroso que um ilustre procurador geral da República argüiu a inconstitucionalidade de uma Lei sancionada em 2005. E foi pela mesma razão que um ministro do Supremo interrompeu a votação da matéria na sua corte, conseguindo protelar uma decisão definitiva da Justiça, mesmo que isso tenha frustrado tantos cristãos, que sonham viver com saúde, como qualquer filho de Deus.
Quando se trata de investir contra igrejas que lhe fazem sombra, a cúria católica encontra sempre os piores defeitos e, ainda por cima, ganham fáceis multiplicadores.
Mas num episódio tão lamentável como esse, em que se pretende tratar salvação de vidas e curas de doenças com o olhar intransigente da religião, o que se vê é um silêncio sepulcral, como se fosse perigoso discordar do que o Papa não gosta.
É uma pena porque tal intolerância e tal terror um dia cairão em desuso, como aconteceu com tantos outros dogmas. Só que para alguns será tarde demais.
coluna@pedroporfirio.com
Em defesa da vida e contra a ditadura da religião
Repassada por Margarida Pressburger
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ
margarida.pressburger@oabrj.org.br
O Supremo Tribunal Federal deve começar a tomar uma decisão sobre a continuidade das pesquisas sobre células-tronco embrionárias a partir de amanhã, atendendo a uma ação de inconstitucionalidade movida pelo ex-procurador geral da República, o católico Cláudio Fonteles, contra a Lei de Biossegurança. A atual legislação permite cientistas usarem embriões inviáveis ou congelados há mais de dois anos em pesquisas. Defendo essas pesquisas incondicionalmente. Não vou explicar o quanto são importantes, nem entrar no debate filosófico-teológico de quando a vida começa. Pouco importa. Um grupo de 100 células embrionárias não pode ter o mesmo valor de um ser humano nascido. Se for necessário utilizar essas células para que alguém volte a andar, ouvir e enxergar ou seja curado de uma doença degenerativa fatal, que se faça. Caso determinada religião seja contra, sem problema. Oriente seus fiéis a morrer sem utilizar o tratamento e curar-se na outra vida. O Estado brasileiro tem que desenvolver as pesquisas nesse campo para garantir uma opção médica futura aos milhões que não têm dinheiro para viajar ao exterior em busca de tratamentos de ponta quando um problema aparecer. E alguém duvida que muitos dos que são contra o uso de células-tronco não usariam terapias genéticas se descobrissem uma doença grave? É uma vergonha absoluta não darmos a devida atenção às milhares de mulheres que morrem todos os anos por conta de abortos clandestinos mal-feitos como alternativa à inexistência de uma política pública nesse sentido. Ou as pessoas que são obrigadas a passar por dores insuportáveis simplesmente porque não tem o direito de aliviar seu sofrimento dando fim à própria existência, uma vez que a vida não lhes pertence. Ou ainda, ver igrejas fazer campanhas contra o uso do preservativo porque acham que o sexo deveria ser controlado para a procriação. É extremamente salutar que todos os credos tenham liberdade de expressão e possam defender este ou aquele ponto de vista. Mas o Estado brasileiro, laico, não pode se basear em argumentos religiosos para tomar decisões de saúde pública. Já é um absurdo os prédios públicos, como o plenário do STF, ostentarem crucifixos, agir em prol deles seriam a derrota da razão. "É cultural", justificam alguns. O argumento é risível, o mesmo dado por fazendeiros que superexploram trabalhadores, defendendo uma cultura construída e excludente. Nesse caso, poderíamos considerar que vivemos em uma ditadura religiosa, pois uma democracia prevê o respeito pelas minorias. Não é uma questão religiosa, é científica. Mas não importa o que acreditamos, a qualidade de vida do meu semelhante é que importa. O resto é assunto para o Santo Ofício, que está em alta desde que Joseph Ratzinger assumiu o trono de Pedro. A humanidade já deveria ter evoluído para deixar as cruzadas de lado, mas os conservadores da igreja botam cada vez mais lenha na fogueira de sua guerra santa, em uma luta contra o ser humano.
Autor desconhecido
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