domingo, 30 de março de 2008

Das razões existenciais para a aprovação do governo Lula


FHC e Lula
Duas faces da mesma moeda: a social-democracia neoliberal e atrelada ao sistema financeiro. O primeiro abriu o caminho das políticas compensatórias. Já o ex-líder metalúrgico abriu a sociedade de consumo para os 82 milhões da "classe C" e favoreceu os que ganham salário mínimo, com reajustes acima da inflação, enquanto matem o "arrocho" para os demais.


MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 31 DE MARÇO DE 2008
"Dê-lhes prazer - o mesmo prazer que têm quando acordam de um pesadelo."
Alfred Hitchcock , cineasta britânico-norte-americano (1899-1980)
Esse aumento de aprovação do governo do sr. Luiz Inácio a mim não surpreende. Mesmo descontando a natural restrição a qualquer pesquisa, em face de sua metodologia e da forma como as perguntas são feitas, além de considerar como discutíveis os quesitos respondidos, é provável que realmente o governo federal esteja bem na fita.
Desde que assumi meu primeiro cargo na administração pública - coordenador de regiões administrativas da Zona Norte (hoje batizado de subprefeito) deparei-me com uma inacreditável constatação - a de que, em princípio, O POVO É GOVERNISTA; OS GOVERNOS É QUE NÃO SÃO POVISTAS.
Isso significa que, depois de passar por um período de renúncia e medo, quando a ditadura impôs suas leis pela força, o povo brasileiro se viu sem traumas diante de uma nova montagem democrática.
Seria uma bravata atribuir o retorno dos militares às suas funções profissionais a uma "vitória da mobilização popular". Antes, sem o apoio dos Estados Unidos, que alterou sua estratégia para a América Latina, e já tendo perdido seu charme perante os segmentos de opinião pública que lhe deram sustentação, os militares concluíram que não teriam como enfrentar sozinhos os problemas que criaram, sobretudo com o endividamento do país.
Desde a ascensão do general Geisel, que trouxe de volta ao poder o mago Golbery, o regime tratou de incrementar uma transição sob medida, sem confrontos e sem efeitos colaterais para os militares.
Porque o sonho acabou
Isso passou por uma estratégia que incluiu o fabrico de novas lideranças sindicais e políticas, saídas dos seus intestinos. Contando com a ajuda da Igreja Católica, a mesma que pôs nas ruas pomposas marchas "da família, com Deus, pela Liberdade" em oposição ao governo trabalhista de João Goulart, os estrategistas da distensão "lenta e gradual" trabalharam com a preocupação de evitar a "revanche", representada pela volta dos exilados proeminentes, como Leonel Brizola e Miguel Arraes.
Nesse período, assistimos às mortes suspeitas dos ex-presidentes Juscelino Kubsticheck e João Goulart, em agosto e dezembro de 1976, e do ex-governador Carlos Lacerda, em maio de 1977. Já então, surgiam as lideranças de "uma nova geração" sem compromissos com o passado. Lula foi a maior expressão dessa safra saída da vinícola pós-64.
A retomada do regime democrático de eleições gerais e pluripartidarismo se deu num ambiente de condicionamentos existenciais tão visíveis que o primeiro presidente oposicionista saiu de um "colégio eleitoral" formatado para garantir a continuísmo. Pior: junto com Tancredo Neves, que morreu nas vésperas da posse (quantas coincidências!) estava aquele político que maiores serviços prestou à ditadura, o até então subserviente presidente da ARENA, José Sarney.
Isso significa que já não existia no final da década de setenta quase nenhum resíduo crítico numa população que voltava à órbita da democracia representativa sem as exigências da década de sessenta, diluídas na idéia de que "o sonho acabou".
Na hora em que os militares optaram pela devolução do poder aos civis, havia um outro país, mais conformista, mais imediatista, voltado para o florescimento de uma ávida sociedade de consumo e ainda contingenciado pela pobreza intelectual e moral de suas elites políticas.
Ao lado disso, a mídia eletrônica já tinha assumido sua hegemonia como formadora de opinião e formuladora de hábitos, empanzinando a população com suas informações sumárias e superficiais, engordadas pela ficção das novelas e pelo deleite de sua grade de entretenimentos.
Nesse ambiente medíocre, o povo vem sendo conduzido por centros de inteligência de alto poder corrosivo. Os intelectuais e os antigos contestadores foram sendo aquinhoados com boas prebendas para desenvolverem suas verves nos limites do estabelecimento.
As lideranças sindicais que, historicamente, sempre tiveram influência mínima no Brasil, ao contrário do que aconteceu na vizinha Argentina, foram descobrindo as delícias de uma vida sem as obrigações dos peões e com a doçura de um poder setorial à prova de qualquer auditoria, mesmo tendo no seu portfólio o parrudo imposto sindical.
Peso das compensações

A "nova democracia" assentou-se sem constrangimento na mescla manipulada de aspirações sociais individualizadas e na produção de falsos brilhantes, segundo uma alquimia cientificamente concebida.
Os anos posteriores mostraram um alto índice de alienação e despolitização do povo, incluindo aí a disseminação massiva das drogas entre os jovens. O ápice desse surto foi a emblemática eleição de Fernando Collor, um produto de ocasião forjado pela grande mídia.
Guinchado pelo sistema, ele deixou para trás expoentes de fases expressivas de nossa história como Leonel Brizola, Ulisses Guimarães e Aureliano Chaves, todos tragados pelo confronto direcionado entre o novo cabeça do conservadorismo (candidato pelo insignificante PRN) e o sapo barbudo (pre-programado exclusivamente para impedir que Brizola fosse para o segundo turno).
O que se seguiu, todos recordam. No primeiro dia de governo, deu a louca no Collor e ele imobilizou a poupança da classe média que dera sustentação à sua candidatura. Depois, quis resgatar o fetiche messiânico de um "modernizador" entreguista e ousado.
Na hora em que pensou que ele era ele e não uma peça de uma engrenagem, foi devidamente apeado do poder.
Daí para frente, entramos na era da social-democracia neoliberal e globalizante, com o aproveitamento dos quadros da oposição mais permeáveis, cujo maior ícone foi o ambicioso professor Fernando Henrique Cardoso, aquele que, para evitar mal entendidos, pôs seus livros na fogueira com as próprias mãos.Foi com ele que o sistema começou a implementar as políticas compensatórias casadas com o fortalecimento do sistema financeiro e o atrelamento ao "mercado" internacional.
A mesma central de inteligência que opera a grande mídia passou a tutelar o Palácio do Planalto, oferecendo o receituário para a subjugação indolor da plebe ignara. Aí não se pode falar só das mágicas que puseram o lumpesinato agarrado ao "bolsa família".
Um segmento ainda maior, a chamada "classe c" com renda familiar de mil reais, vive hoje seu paraíso astral. São 83 milhões de brasileiros que ingressaram nos prazeres do consumo de eletrônicos e de carros com um gasto de R$ 365 bilhões em 2007, um pouco mais de um quarto da capacidade total de compra de todas as famílias que moram nas cidades - R$ 1,4 trilhão.
Por fim, o governo tem aumentado o salário mínimo em índices superiores ao da inflação. Enquanto na época de FHC aspirava-se um piso de 100 dólares, hoje ele chega a 237 dólares.
Isso acontece enquanto quem ganha mais continua submetido ao arrocho: a seguir essa tendência, nos próximos três anos, 85% dos aposentados e pensionistas estarão ganhando o salário mínimo.
Como o que conta é a maioria, Lula não exagera nem um pouco quando diz que fará seu sucessor e se insinua como o grande eleitor do pleito municipal deste ano.
Para enfrentar isso, não adianta investir numa política de terra arrasada ou destilar ódio, como se queixou com razão o sr. Luiz Inácio. Há que ter a necessária tranqüilidade para trabalhar uma alternativa profunda, consistente - para frente e não para atrás.
Esse é o desafio.
coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 27 de março de 2008

O Brasil está doente da cabeça aos pés


“O Brasil tem hoje 53 mil farmácias, uma para cada grupo de pouco mais de 3.200 habitantes. O número é superlativo também quanto ao faturamento, de R$ 16 bilhões por ano”.
Silvana Orsini - InvestNews

O Brasil está doente. Doente da cabeça aos pés. Esse surto de dengue tem uma causa, a doença que é a mãe de todas as doenças. Essa doença se chama septicemia de Estado. Septicemia consensual. Septicemia inercial.
Essa infecção generalizada não afeta apenas um governo. É ampla geral e irrestrita. Seduz autoridades em todos os segmentos dos três poderes. O povo sabe disso. Sabe e, o que é pior, parece aceitar tal doença como orgânica, estrutural, atávica.
Todos os dias, em todos os lugares, a septicemia se manifesta, porque já foi inoculada em todo o organismo social. E, como é de sua natureza, essas manifestações expressam os mais terríveis sintomas da baixeza humana.
De um modo geral, essa infecção desafia qualquer tratamento. E, por estar ainda camuflada como uma leucemia rara, não há notícia de que exista alguém disposto a enfrentá-la. Até porque, como no “alienista” de Machado de Assis, não há ninguém com poderes reais disposto a atacá-la.
Dengue cultivada
Veja o caso da epidemia de dengue, uma doença decorrente muito mais da incúria dos governos e da desatenção dos cidadãos do que da capacidade letal do mosquito assassino.
Não estamos diante de um terrorista clandestino, mas de um inimigo de hábitos conhecidos, que só costuma atacar de dia na área próxima do seu criadouro. Não se trata, portanto, de uma ameaça misteriosa, que requeira uma montanha de dinheiro para ser extirpada preventivamente de nossas preocupações.
Eu disse preventivamente? Então disse um palavrão. Neste país de doutores que vivem da desgraça alheia – sejam médicos ou advogados – é expressamente proibido falar em providências que lhes retire o poder de barganha.
Doenças evitáveis como a dengue estão para certos médicos como as liminares absurdas estão para certos advogados e magistrados. Todo mundo sabe que não têm razão de ser, mas sabe, igualmente, que essa é, paradoxalmente, a razão de ser de muitos ambiciosos profissionais nos seus respectivos campos de trabalho.
E por que não se pode falar em ações preventivas? Por conta do ambiente infeccioso que envolve os organismos de decisão. Você pode dizer cobras e lagartos do governo revolucionário de Cuba, principalmente se você estiver programado pelo sistema, mas tem de se render ao sucesso do médico de família e da seriedade de suas autoridades, que não fogem á luta e respondem com coragem e abnegação a todo tipo de ataque, inclusive no campo da saúde.
Ou você não sabe que Cuba foi cenário de uma suspeitíssima invasão desses mosquitos? Lá o bicho pegou com tal violência em 1981, ao ponto de registrar os primeiros casos de febre hemorrágica fora do Sudeste Asiático e do Pacífico Ocidental. Lá, o “sorotipo 2” se manifestou pela primeira vez, com 159 vítimas fatais, número que só não foi maior devido ao envolvimento de todo mundo no combate à epidemia, que afetou 344 mil cubanos.
Hoje, esse mal teve o mesmo destino dos governantes norte-americanos que ao longo de quase meio século tentaram matar Fidel Castro voltar a dominar a ilha do Caribe – isto é entrou para os arquivos da derrota. Não se fala mais em dengue em Cuba, que recorreu a tudo, inclusive a uma fórmula preventiva desenvolvida pelo homeopata brasileiro Renan Marino, de São José de Rio Preto.
No reino das farmácias
Mas cá entre nós, é preciso ter onde gastar os bilhões de reais destinados às rubricas de saúde, hoje as mais gordas do orçamento federal.
Qualquer esforço para acabar com a festa dos grandes laboratórios, da rede privada e dos planos de saúde esbarra num lobbie poderoso, com mais de 150 deputados federais e muito dinheiro em caixa. Graças a essa inércia, a esse complô lucrativo, o Brasil tem hoje mais de 53 mil farmácias, contra 42 mil padarias, o que revela a quantas chegamos na selvageria da caça ao lucro fácil.
Hoje, estou convencido de que há uma aliança virtual entre as corporações e os interesses privados, em função desse negócio da China que é transformar o Ministério da Saúde e as respectivas secretarias no Ministério das Doenças e Secretarias das Doenças.
Se há uma coisa que assusta o ser humano é o medo de ficar doente. Logo, o que se fizer nesse ramo dá samba. A paranóia e a desinformação são tão fortes que os cidadãos desesperados batem em qualquer porta à cata de uma cura de qualquer coisa que lhe pareça doença. Foi o que aconteceu com as tendas do governo do Estado, destinadas a quem já tinha dengue. As pessoas correram para lá achando que podiam ser medicadas.
Se há um setor totalmente viciado pela infecção política, esse é o da saúde. Compram veículos inadequados para o transporte de equipes e repassam para as Prefeituras como se tivessem ajudando. Estas emburram e não são criativas o suficiente para usar esses veículos em tarefas para as quais servem, como o “fumacê”.
Todos se esmeram em cumprir uma certa agenda para que todos os anos seja possível fazer gastos de emergência, com dispensa de licitação e preços superfaturados. É da natureza da septicemia a que me refiro. O Estado corrupto é gerado por essa doença própria de um sistema em que ri melhor quem ri com grana.
Se não for a dengue, tem de aparecer outra doença apetitosa. Você já ouviu falar na gripe aviária, que virou epidemia pela mídia entre manipulada e despreparada? Sabe quanto o governo brasileiro gastou em 2007 só na compra do Tamiflu, o remédio contra a gripe que não piou por aqui? Nada menos de R$ 180 milhões, sem falar nos gastos passados.
E sabe quem é o grande interessado na venda desse produto? Nada menos do que o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfield, o homem que ganhou fortunas com a invasão do Iraque.
Como eu disse no começo da nossa conversa, essa infecção se manifesta em todos os poderes – no Executivo, Legislativo e Judiciário. Como estou com algum tempo, tenho pesquisado sobre os desvios de conduta em todas as áreas e começo a perder a esperança. Quanto mais blindado é o poder, mais forte é a contaminação dessa infecção moral.
Matéria que ainda dará muitos panos para as mangas neste espaço.
coluna@pedroporfirio.com

quarta-feira, 26 de março de 2008

A dengue de hoje e de amanhã




Nós todos temos responsabilidade pela sobrevivência de epidemias de dengue. Não adianta escolher um para Judas.
MINHA COLUNA NO JORNAL POVO DO RIO DE 26 DE MARÇO DE 2008
Tenho ficado fora desses debates sobre a epidemia de dengue que castiga a população do Rio de Janeiro por várias razões: a primeira delas é que todo mundo já tem destinado amplos espaços sobre os casos, as opiniões e brigas entre as autoridades, buscas de culpados e até conselhos sobre as várias formas de se prevenir.
Mas essa não é a única razão. A principal é a minha convicção de que essa era para ser um doença fora das nossas preocupações, tantos foram as ensinamentos herdados de outros surtos, que se repetem com quase exclusividade na cidade do Rio de Janeiro. Em nosso Estado, só há registros significativos hoje em Campos e em Angra dos Reis. Mas numa proporção modesta em relação ao caos que se caracteriza na capital carioca.
Não participo dessa “politização” da discussão. Não acho correto eleger um ente público para malhar, como se isso compensasse as perdas e o grande volume vítimas, principalmente, para variar, as classes pobres.
Antes, concordo com a opinião do O coronel José Sant’Ana Mateus, coordenador-geral-adjunto da Defesa Civil do Estado, para quem a própria população tem uma boa parcela de responsabilidade pela incidência de tantos casos.
O mosquito da dengue faz seu estrago a partir de viveiros em água limpa, que podem existir até numa flor. Em geral, por falta de informação e de consciência comunitária, muita gente dá mole para esses minúsculos assassinos, oferecendo-lhe casa, comida e água lavada.
No entanto, é preciso admitir que algumas autoridades não parecem preparadas para encarar esse tipo de epidemia e deixam seus superiores numa verdadeira saia justa.
Decididamente, o secretário municipal de Saúde, Jacob Klingerman, meu companheiro de tantos embates naqueles idos, não foi nenhum pouco feliz em declarar que teremos de conviver com essas tragédias por muitos anos.
- O contexto ambiental do Rio é endêmico, e nós trabalhamos para diminuir isso. Com os índices pluviométricos do município, nos próximos anos eu não tenho bola de cristal, mas ele (o contexto endêmico) vai permanecer – disse na tv.
Em que esse “contexto ambiental” é diferente de Niterói e dos municípios da Baixada, de longe muito mais precários em termos de equipamentos e pessoal especializado do que a capital?
Que eu saiba, há uma resistência da Secretaria de Saúde do Rio ao programa “saúde da família”, uma versão “genérica” da única coisa que pode dar um jeito nessa e em outras doenças “sociais - o médico da família, que se instala nos bairros e em comunidades, com a preocupação da ação preventiva e da orientação da população para que ela própria faça a sua parte.
Se essa resistência existe realmente, então estaremos de fato expostos aos caprichos do tal “contexto endêmico” .
coluna@pedroporfirio.com

segunda-feira, 24 de março de 2008

Porque o Estado se mete com o que não é da sua conta

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Em um dos acessos da Rocinha, o Estado implantará uma piscina e uma bela passarela com a assinatura de Niemeyer. Um ganho pontual e irreal em meio às precárias condições de vida de um milhão e meio de cariocas.
“Uma marca fundamental do processo de urbanização sob a industrialização com baixos salários é um mercado de moradias restrito e concentrado. O que poucos percebem é que grande parte da população urbana brasileira não tem condições de comprar a moradia no mercado privado legal”.
Ermínia Maricato, ex-secretária de Habitação de São Paulo.

O mais lamentável nesse ambiente temerário que marca a intervenção do poder público nas favelas é o desconhecimento explícito de sua complexa realidade. Essa história de que o governo do Estado vai torrar 1 bilhão de reais do Programa de Aceleração do Crescimento em três projetos pontuais com resultados duvidosos é mais um elemento vexaminoso numa seqüência de levianas improvisações sem qualquer premissa estratégica.
Nas três áreas escolhidas, as autoridades do Estado demonstram que ouviram o galo cantar, mas não sabem aonde, explicitando a impropriedade de sua intervenção, antes de mais nada uma intromissão é indébita em assunto de natureza eminentemente municipal.
Investindo-se de um papel institucional como uma verdadeira usurpação, o Estado vai produzir um estrago de conseqüências imprevisíveis, na medida em que cai de pára-quedas com projetos saídos das cabeças de alguns “ETs” e de ávidos interessados em serem os destinatário de verbas federais repassadas a quem não tem nada com o peixe.
Para meter o bedelho onde não deve, o governo do Estado usa como gancho a questão da violência. Por conta disso, inventa um “espaço exemplar” na Rocinha ( um oásis no coração da miséria), um teleférico de 120 milhões de reais no Complexo do Alemão e a elevação da linha de trem só para unir duas partes do que seria a mesma favela de Manguinhos, que será adornada por jardins.
A idéia de obras “de confronto” é para dourar a pílula. Essa balela ficou evidente nos primeiros movimentos concretos desses desvarios impostos às próprias comunidades. Logo de cara seus gerentes operacionais viram que não tem sentido servir escoltas policiais aos operários e engenheiros locados nesses focos de tensão.
De fato, desde priscas eras, nunca houve problemas com a realização de obras em favelas. Para a “rapaziada” do local a presença de trabalhadores em suas áreas não afeta suas vidas, até porque, por uma questão prática, essa mão de obra já é recrutada no local.
Como “profissionais do ramo” bem sucedidos, os vendedores de drogas até vêem com bons olhos a circulação de dinheiro, não só porque podem aumentar a freguesia, como também, porque acabam tendo entre seus “amigos” os escolhidos para as funções de vigias dos canteiros de obras.
É claro que a presença do Estado enquanto ente institucional não se pode limitar a desastrosas incursões policiais que só têm contribuído para configurar o fracasso das políticas de segurança pública e aumentar os números da violência – principalmente com o incremento do extermínio de suspeitos e a feira de “balas perdidas”.
Rocinha que vista debaixo
O sistema institucional tem responsabilidades definidas e não pode cumprir suas tarefas com a superposição temporária gerada por atos espontaneistas de governantes despreparados. Quanto isto ocorre, por motivação política menor, boa coisa não vai acontecer.
A Rocinha, a maior favela brasileira, está situada entre dois bairros onde a elite exibe seu luxo e riqueza: Gávea e São Conrado. Do alto das antigas roças de hortaliças, os seus moradores, muitos vindos em levas do Nordeste, contemplam a suntuosidade das habitações vizinhas, o campo de golfe e, naturalmente, sentem uma enorme diferença entre as realidades que Deus lhes reservou.
Mas, até porque tiveram a sorte de se livrarem da fome e da água do mandacaru, esse sentimento não é de revolta, não pode servir de insumo para a “luta de classes”. O mundo moderno inoculou os pobres o vírus da fatalidade social. Enquanto massa, enquanto coletividade, tudo o que aquela gente quer ter é o mínimo para criar seus filhos em paz e fornecer a mão de obra subalterna aos ricos das adjacências.
Mas sempre existem os desgarrados, os que acham que podiam ter uma vida melhor. E como não existe entre os seus um sentimento de enfrentamento coletivo, aqueles tratam de ultrapassar os bloqueios sociais agindo individualmente.
Uns raros conseguem chegar a uma profissão qualificada, até mesmo a uma Universidade. Outros se dão bem no comércio e na grilagem. Outros descobrem suas veias artísticas e seus talentos para o futebol. Há, porém, os que enveredam pelo caminho da prostituição, recorrem do crime, viram assaltantes e traficantes de drogas, renunciando a uma vida longa em troca de alguns anos de “reinado” criminoso.
Por estabelecerem suas trincheiras entre os becos dessas comunidades marginalizadas, acabam servindo de referência aos moradores do asfalto. A favela é assim tida e havida como “santuário do crime”, embora todo mundo saiba que 99% dos seus moradores são apenas pacatos cidadãos que nada podem fazer: muitas vezes, os traficantes, que movimentam fortunas, compram a cumplicidade de maus policiais, tornando arriscado qualquer indisposição com o “movimento”.
Nesse ambiente, os moradores do asfalto vivem assustados, achando que um dia o morro pode descer sobre suas cabeças coroadas. E os poderes públicos, incapazes de encarar a péssima concentração de rendas nas mãos de 18 mil famílias, incapazes de abrir espaços para trabalhos decentes com salários dignos, incapazes de enfrentar a volúpia insaciável da especulação imobiliária, recorrem a amortecedores temporários de resultados cada vez mais pífios.
No caso da Rocinha, as autoridades em todas as esferas desconhecem sua realidade intestina. Nesse aglomerado de barracos de alvenaria há muitas favelas dentro da favela.
Não há comparação entre os moradores da Cachopa e do Bairro Barcelos – são dois “IDHs” bem diferentes. Não há muito em comum entre os moradores, que acabam dominados por um quadro de desigualdade em seu próprio interior: em torno de 20% dos moradores pagam aluguéis a uma meia dúzia de “emergentes do morro”.
Antes de se meter numa favela que já tem quase 90 anos, com projetos mirabolantes de caráter cosmético e espetaculoso, o governo do Estado deveria unir-se à Prefeitura da cidade para uma discussão com os moradores que, desde 2001, estariam contingenciados pelo projeto de “Eco-Limites”, por enquanto uma intenção que nem as estacas de ferro e os cabos de aço conseguem materializar.
Se tivesse visão, o governo do Estado iria fazer direito o que é sua atribuição constitucional. A questão da habitação passa por um outro viés e não pela tentativa de colorir a miséria.
Para fazer seu papel, o Estado não precisa gastar uma fortuna com aventuras urbanas impraticáveis, independente de existirem delinqüentes na área ou não
coluna@pedroporfirio.com


quinta-feira, 20 de março de 2008

De como se torra o dinheiro público na fogueira das ilusões

Quando secretário de Desenvolvimento Social percorri várias vezes a pé e sem "seguranças" o Complexo do Alemão. Logo atrás, o engenheiro Hélio Aleixo, atual secretário de Obras de Nova Iguaçu, criado na favela Nova Holanda, que teve sua primeira oportunidade na minha equipe da SMDS. Aqui, estamos no ponto mais alto da antiga Serra da Misericórdia. Ao fundo a igreja da Penha. O Morro do Alemão ganhou esse nome no início da década de 50, quando o polonês Leonard Kaczmarkiewicz comprou lotes e foi morar lá. “Da nossa parte, a gente só ganha mesmo é bala. É a única coisa que nós temos aqui do outro lado. É só “caveirão” subindo e dando tiro” – Maria do Socorro Lima dos Santos, moradora da favela da Merindiba, do “Complexo da Penha”, ao lado do “Complexo do Alemão”.
É preciso ter ouvido de mercador e uma vista prá lá de cansada, ou mesmo uma baita cara de pau, para calar a boca diante de uma das farras mais irresponsáveis com o dinheiro público, com o único objetivo de produzir um espetáculo circense em nome de uma suposta intervenção social em três áreas de favelas selecionadas para servirem de mostruários.
Francamente, não dá para entender. Até parece que uma certa mídia prefere ver o circo pegar fogo para depois ter o que falar. Ou então, desapareceram as calculadoras das redações, das casas legislativas e dos centros de opinião. Ninguém se arrisca a falar da extravagância.
É isso mesmo. Jogar um bilhão de reais em três projetos empíricos de melhorias presumidas em três focos já atendidos anteriormente a custos muito mais baixos é dispor do dinheiro público como se fosse privado.
Estou falando de uma distorção gravíssima do ponto de vista institucional, na medida em que a opção por certos gastos se faz a bel prazer de um governante, sem prévia consulta a uma casa legislativa e sem discussão com a sociedade.
Cenário espetaculoso
No caso, nem mesmo as comunidades “beneficiadas” pelos projetos faraônicos, como um teleférico de 120 milhões de reais (isto sem contar os futuros e viciados “aditivos”) foram consultadas.
O governador Sérgio Cabral Filho pegou o repasse do PAC, dinheiro de todos os contribuintes, e decidiu na solidão de um poder que subiu à cabeça: vou aplicar aqui e ali e vou fazer isso do jeito que me aprouver.
Não houve um debate com a sociedade, uma audiência pública numa casa legislativa, nada. Chamou três ou quatro profissionais e ordenou: montem um cenário espetaculoso na Rocinha, no Complexo do Alemão e em Manguinhos, caprichem no quesito originalidade e deixem o resto por minha conta.
Essas comunidades ficaram sabendo do que será feito pelo deslumbramento da mídia e pela oferta de empregos, que poderão chegar a 4 mil: nada mal, apesar de temporários. Mas e as outras 700 áreas carentes, com problemas de mais fácil solução, como é que ficam?
E os problemas comuns da grande cidade, que está doente por falta de uma política de saúde competente; que tem baixíssimos índices de qualidade de ensino público, que se expande sem um projeto de transportes racional?
Você provavelmente nem sabe desses delírios juvenis. O governador cismou de colocar um teleférico no conjunto de favelas da antiga Serra da Misericórdia para imitar o que viu na comunidade de Santo Domingo, em Medelín, Colômbia, e não fez por menos: contratou o projeto com o engenheiro francês Eric Romagna e vai comprar na França os 200 carros (com capacidade para 8 passageiros) e os cabos que farão a ligação para a estação ferroviária de Bonsucesso.
Ao anunciar essa “obra turística” ele demonstrou um total desconhecimento da realidade desse ajuntamento de moradias precárias que dá para os bairros de Ramos, Bonsucesso, Olaria, Inhaúma e Penha.
Sequer fez as contas: o projeto do Alemão vai consumir 495 milhões de reais , (isso sem os aditivos) 100 milhões menos do que a Prefeitura gastou de janeiro de 1997 a outubro de 2000 no projeto “favela-bairro”, (que já não é barato) em intervenções em 180 comunidades, abrangendo 737 mil pessoas.
Nas minhas contas, as 11 favelas do Complexo têm menos de 200 mil pessoas (não junte no mesmo balaio o Complexo da Penha, cuja âncora é a Vila Cruzeiro) e sempre teve atenção do poder público – claro, numa em caráter definitivo.
A primeira favela que o governador Leonel Brizola visitou ao voltar do exílio foi a da Grota, na Rua Joaquim de Queiróz, uma das entradas do “Alemão” onde a CEDAE, sob o comando pessoal do secretário Luiz Alfredo Salomão instalou a primeira grande rede de água em comunidades proletárias. A caixa d’ água instalada no alto do morro foi levada de helicóptero e o sistema de saneamento foi considerado modelo na década de 80.
Chega de insanidade
Há um dado que talvez o extravagante governador não saiba: O índice de desenvolvimento humano (IDH) do Complexo do Alemão é de 0,587, superior ao de muitos Estados da região Nordeste. Isso significa que a situação da educação, da renda per capita e da saúde da favela carioca é melhor do que a de vários Estados, como o Ceará, que tem IDH de 0,506, Pernambuco, 0,577 ou Piauí 0,502.
Eu não quero dizer que esse complexo, que conheço na palma da mão porque o percorri mais de uma vez quando secretário municipal de Desenvolvimento Social, dispense atenção do poder público.
De fato, toda essa cidade precisa da presença do Estado. Mas sem perder a lucidez jamais. O bilhão destinado pelo PAC a esses três focos representa mais de 10% do orçamento fiscal da Prefeitura do Rio de Janeiro, que tem mais de mil escolas, com mais de 700 mil alunos, e um grande rede de saúde. E mais: uma escola padrão da Prefeitura custa R$ 4 milhões e 300 mil. Com R$ 120 milhões, teríamos 28 escolas novinhas em folha.
Para efeito de comparação, vale observar ainda: esse bilhão de reais é mais de que todo o orçamento de R$ 962 milhões da cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, para 2008.
Não sei se terei êxito esmiuçando a barbaridade que começou a ser posta em execução com festas de quem precisa de uma cutucada para abrir os olhos. Mas vou fazer isso, área por área, pela responsabilidade que tenho e pelo zelo que sempre tive com o dinheiro público: para você ter uma idéia, no início da década de 90, quando secretário municipal de Desenvolvimento Social, gastei menos de 2 milhões de reais no PESZO – programa de implantação da rede de esgotos em mais de 200 comunidades da Zona Oeste do Rio de Janeiro, através do Projeto Mutirão, sem paternalismos, sem empreiteiras ávidas, sem isso que você sabe muito bem que corre quando o dinheiro público rola fácil.
E vou fazer das tripas coração para mobilizar a opinião pública sobre esse devaneio que vai gastar dinheiro até para levantar uma linha férrea, sem falar na construção de apartamentos que são bens pessoais, de família e, portanto, devem ser responsabilidade de cada um.
No tempo do Brizola, que você culpa por um monte de coisas, o governo trabalhou na infra-estrutura e cuidou da legalização das habitações no programa “Cada Família um Lote”, desenvolvido pelo então secretário CAÓ. Isso era o que todos queriam.
Vou fazer tudo, avisando: se essas obras de mostruário não derem certo, não venham de bodes expiatórios, como já estão desenhando no horizonte com essa conversa de que o tráfico não admite as melhorias e, portanto, o Estado está fazendo verdadeiras operações de guerra.
coluna@pedroporfirio.com

terça-feira, 18 de março de 2008

Uma grana preta em obras de mostruário



Projeto do engenheiro francês Eric Romagna ,O teleférico do Alemão seguirá o mesmo modelo implantado na comunidade de Santo Domingo, em Medellín, na Colômbia. Os cabos e os 200 carros serão importados da França. As torres e a montagem da estrutura ficarão a cargo dos brasileiros. Em princpipio, custará R$ 120 milhões de reais - ou seja o que se gataria para implantar 20 CIEPs com capacidade para 20 mil alunos.


Honestamente, não estou entendendo bulufas sobre o que o governo federal e, principalmente, o governador Sérgio Cabral estão querendo fazer com essa montanha de dinheiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)na Rocinha, Manguinhos e no Complexo do Alemão.
Pelo que li, é coisa pra mais de 1 bilhão de reais. Dinheiro concentrado em três focos, como se eles tivessem a função de um mostruário, uma típica obra de fachada.
Com a experiência de quem foi duas vezes secretário municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro posso dizer que essa é a própria obra para inglês ver. E não tem nada a ver com as reais necessidades das populações faveladas, que representam 25% dos seis milhões de viventes nesta terra de São Sebastião.
Tudo o que foi concebido saiu das cabeças de alguns delirantes, mais preocupados com o PAC das empreiteiras. Ninguém perguntou a um morador do Complexo do Alemão, onde serão investidos de cara quase meio bilhão de reais, se ele está interessado nesse teleférico, imitação grosseira de uma peça semelhante implantada em Medelín, onde também o cartel da droga faz suas vilas e projetos sociais.
E também ninguém discutiu no âmbito das representações legítimas se tem sentido gastar esta fortuna em apenas algumas comunidades. Se não seria melhor com esse dinheiro investir maciçamente na rede pública de ensino e implantar corajosamente um programa de saúde baseado na vitoriosa experiência do médico de família.
Com 3% dessa grana, implantei 500 quilômetros de rede de esgotos nas comunidades, através do Projeto Mutirão, sem paternalismo, sem clientelismo e sem empreiteiras e sem propinas. O projeto, que chegou a ser realizado simultaneamente em mais de 300 comunidades, fornecia o material e remunerava diretamente equipes da própria comunidade, em número mínimo, realizando as intervenções sempre mediante prévia discussão com os moradores.
Havia total transparência e uma consciência de que a implantação do saneamento básico pelas mãos dos próprios moradores, sem os preços superfaturados e sempre acrescidos pelas empreiteiras, era uma ação que, além de tudo, reduzia a pressão sobre os hospitais públicos.
Na nossa concepção, o limite do poder público, que tem de estar presente até como resgate social, é a implantação de serviços públicos, nunca a oferta graciosa de bens pessoais ou de família.
Não tem sentido fazer casas para ninguém. Para mim, que cheguei sozinho do Ceará com 16 anos, ninguém nunca me deu casa. E se você quiser saber, o que o trabalhador da periferia quer é meio para construir sua casa com dignidade. Porque se for dar casa quem vive na pior, tem que dar para todos. Aí teremos que construir 10 milhões de moradias com o dinheiro do contribuinte. Voltarei ao assunto.
Coluna@pedroporfirio.com

domingo, 16 de março de 2008

Quando cheguei, o mundo estava em chamas. ...como hoje...ainda


O marechal Paulus, à frente do que restara do altivo 6º Exército alemão, rendeu-se aos soviéticosem 2 de fevereiro de 1943. Anunciou-se ali o destino da Alemanha nazista. Ao ser comunicado do desastre, Hitler disse a Goebbels: “os deuses da guerra trocaram de lado!” Um mês depois, caia um temporal em Fortaleza e eu vinha ao mundo quando minha mãe mal completara sete meses de gravidez.

Quando eu nasci, os governantes da Inglaterra, EUA e URSS estavam unidos contra o nazismo. Depois.....veio a guerra fria .


“A sabedoria dos velhos é um grande engano. Eles não se tornam mais sábios, mas sim mais prudentes”.
Ernest Hemingway, escritor norte-americano (1899 - 1961)

Como já anunciei em altos brados, amanhã fará 65 anos desde que cheguei ao mundo de surpresa, naquele temporal de bons presságios, véspera do dia de São José, na Fortaleza de Nossa Senhora Assunção, quando uma quase quarentona mal completara 7 meses de gravidez.
Não sei se ainda é assim, mas naqueles idos, se não chovesse até o dia São José, o camponês fazia o sinal da cruz e tratava de pegar o destino incerto, onde pudesse sobreviver, nem que fosse a pão e água.
Mas, felizmente, choveu aos cântaros. “Seu Doca”, meu pai-avô, fazendeiro de raiz, já entrava nos sessenta. A mãe, vinte e tantos anos mais nova, havia tido o primeiro filho em 1939. Esse espaço de tempo não era normal no Ceará das proles fartas.
Também pudera. O mundo estava no auge da guerra. Os brasileiros ocupavam as ruas exigindo o nosso engajamento contra os nazistas. Quando começou o temporal, longe dali, o navio caça-submarino brasileiro JAGUARIBE, em serviço de comboio, atacou e afundou um submarino alemão.
No cenário da guerra que custou 50 milhões de vidas –entre as quais 20 milhões de soviéticos e 6 milhões de judeus – o grande ditador começava a perder terreno. Em 31 de janeiro daquele 1943, amargou a resistência heróica de Stalingrado e registrou sua primeira grande derrota.
Três dias antes do meu nascimento, o presidente Vargas aprovou o memorando do ministro da Guerra, general Dutra sobre o envio da Força Expedicionária Brasileira – FEB.
Foram enviados para a Itália, com a FEB, 25.300 homens, dentre eles Lutero Vargas (filho de Getúlio), dos quais quinze mil participaram da luta. Entre eles, 451 perderam a vida e cerca de dois mil foram feridos em combate.
Um mundo em guerra
Era o começo do fim: no dia 13 de maio, Hitler sofreria sua derrota definitiva na África; e no dia 25 de julho, o ditador Benito Mussoline era preso e a Itália começava a mudar de lado.
Nasci sob o signo da segunda guerra mundial. Naquele clima, só o meu meio-irmão mais velho, médico, arriscou garantir que eu ia sobreviver, apesar dos raquíticos dois quilos e outros poréns. Foi ele que me batizou na Igreja do Patrocínio, com sua esposa. Dalva, que ainda está aí para testemunar os momentos dramáticos que marcaram meus primeiros dias – na casa de saúde Cesar Cals e na Europa em chamas.
Nasci numa hora em que ninguém se entendia e todos procuravam uma verdade golfada pelo sangue de soldados lançados ao combate no mero cumprimento de um dever, na incerteza e na obrigação de matar para não morrer.
Mas essa guerra nunca acabou. Seis décadas e meia depois, continua sendo um atestado da insanidade humana. E uma razão de ser da indústria mais lucrativa do mundo, sem a qual algumas economias podem ruir.
Por que estes escritos são uma conversa entre parceiros – amigos ou não – viajei no tempo para sugerir algumas reflexões na condição de idoso formal. Afinal, faço parte de uma comunidade que se compensa com reminiscências e se sente mais útil quando oferece suas palavras encorpadas pelo tempo.
Quero lhe abrir meu coração numa boa. E tenho razões de sobra para esse exercício. A leitura dos e-mails que recebo e dos comentários apostos no questionário respondido recentemente revela que tenho me relacionado com pessoas inteligentes, sagazes, dotadas de um acurado senso crítico e de um comovente espírito público.
Tenho certeza de que, ao levantar-me amanhã, minha ambigüidade existencial produzirá duas sensações díspares: de um lado, a idéia de que estarei mais jovem, ao completar 65 anos; de outro, a percepção de, finalmente, ter atingido a maioridade.
Esse choque sensitivo que fermenta meu cérebro vulcânico acentua a personalidade do lobo da estepe de Hermann Hesse que há em mim. Eu bem que queria ser hoje apenas um rosto perdido na multidão, desfrutando do meio século de labuta e inconformismo.
A tragédia é o mau caráter
Mas devo ter o DNA do fidalgo Alonso Quijada, o dom Quixote que fez da obra de Cervantes o segundo livro mais vendido do mundo. Porque não consigo e nem desejo fruir o merecido repouso do guerreiro. Essa seria - tenho clareza – minha morte cerebral e o ingresso voluntário na vida vegetativa.
É certo que nada faço sem pensar. Só não garanto se antes ou depois. É igualmente certo que não me mantenho na liça só por impulso interior. Não. Eu me sentiria um covarde, diante de tantos exemplos de mais velhos que não sabem o que é descanso.
Aqui mesmo nesta TRIBUNA há exemplos de tenacidade que não me deixam parar. Sabe que, fazendo as contas, Hélio Fernandes poderia ser meu pai, com seus 86 anos de hercúlea disposição para sustentar o milagre de um jornal independente e solitário nesse ambiente em que a opinião foi ao mercado?
Ao deparar-me com a idade em que terei direito a passagem gratuita nos transportes urbanos, posso me considerar um vitorioso, até porque, seguindo Sócrates, também acho que “uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida”.
Devo ter tido muita sorte até hoje. Nunca me curvei, nem me rendi, nem me adaptei, nunca aderi, nem me vendi, nem neguei minhas idéias, nem me sujeitei à pauta do sistema e, no entanto, levo um padrão de vida que negam aos aposentados de minha geração.
Não me considero nenhum paradigma. Mas creio que o mais importante ao alcançar uma idade que nem pensava chegar é ter a certeza de que a dignidade nunca fez mal a ninguém. Antes, é a fortaleza do ser humano.
Você que convive comigo sabe da minha natureza emocional, quando expresso minhas críticas e minhas angústias. Tem hora que me deixo dominar pela flor da pele. Que esperneio quase aos prantos.
Mas isso quer dizer apenas que sempre fui um ser humano, igual a você. Já passei por poucas e boas, como tenho dito. Reconheço-me tomado por um juízo crítico exacerbado. Mas se tenho que apontar a maior tragédia da minha vida, essa é ter de conviver com o mau caráter de uma súcia poderosa. Lamentavelmente, esse tipo prolifera como uma praga, independente de idade, ideologia, religião, raça e sexo.
A compensação é quem conserva seus valores éticos e morais, como você. Ainda existe muita gente de boa índole na face da terra. É isso que me oxigena. Na minha calculadora, uma pessoa decente, correta, transparente vale mil vezes mais do que um canalha. Daí a minha festa interior pelos 65 anos de vida bem vivida.
coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 13 de março de 2008

Relato de um momento de incerteza e amargura

"Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente".
Sócrates, filósofo grego ( (
470 a.C. - 399 a.C.)

Para onde quer que eu olhe vejo o espectro aterrador – espectro de uma Justiça madrasta. Plenipotenciária, inquestionável, essa instituição histórica derrama sobre meu cérebro nervoso doses cavalares de paranóia.
Eu quero falar dela, mas um superego covarde me manda calar a boca. Quero dizer que vivo hoje uma sensação de impotência muito maior do que naqueles tempos que todo mundo agora condena.
Quero gritar, mas o grito fica parado no ar como se o fantasma me avisasse: cuidado, seu grito poderá ser usado contra você.
Quero contar o que está acontecendo, sem usar uma só palavra indevida; quero apenas narrar a dor de uma tortura prolongada, fria, inacreditável. Mas temo sinceramente pelas conseqüências.
Não sou o único nesse universo dantesco, esse inferno sofisticado, esse pesadelo sem fim. Não, eu não clamo só pelo uso perverso de faculdades emergenciais banalizadas, que fazem com que a Lei seja menor do que o árbitro.
Lamento, sim, do fundo d’alma, pela sensação do sacrifício vão. Eu me postei diante dos tanques e disse: ofereço minha juventude pelo retorno do regime de direito, aquele baseado no sagrado princípio do CONTRADITÓRIO.
Disse isso mais de uma vez até que um dia paguei por isso. Arrancaram-me aqui mesmo da redação desta heróica TRIBUNA DA IMPRENSA e me jogaram nos porões da tortura.
Foram tempos notórios, que tinham o mérito da exposição sem subterfúgios. Era aquilo, seria transitório, mas era aquilo com todas as letras, com todo o ônus que o estado autoritário ensejava. Decorridos 43 anos da ruptura, a controvérsia perdurará, mas não há porque deslustrar seus atores, de parte à parte.
Antes não tinha medo
Era aquilo, mas aquilo não me metia medo, porque não me surpreendia. Eu paguei um preço, com a privação da liberdade por um bom tempo, mas estava consciente de que fizera uma opção na recusa da situação de fato.
Hoje, que a moda é jogar pedras naquilo, eu chego a me questionar: nestes dias de arbítrios dissimulados, quem pode atirar a primeira ou a segunda pedra?
É um arbítrio tenso porque produzido no último bastião do direito. Era ali que eu devia encontrar a segurança jurídica e, no entanto, é dali que disparam peças de uma artilharia blindada, na negação dos seus próprios regimentos, de suas próprias regras.
Você sabia que uma liminar tudo pode? Sabia que essa liminar, que teria um caráter precário, limitada no tempo, pode adquirir foros de lei pela sua perpetuação ad infinitun, conforme o entendimento do árbitro?
Você não vai acreditar, mas já pensei em tudo para resgatar um direito suprimido por uma medida liminar que está há três longos meses à espera de ser levada ao colegiado do Órgão Especial.
Pensei mas tive que me conter, porque não sou mais aquele jovem inquieto que se deu por inteiro à causa em que acreditava. Pensei mas preferi esperar pela crença de que vivo uma tragédia tão absurda que ninguém pode mantê-la pelo tempo que me resta de mandato.
Imagina o contra-senso: a decisão que me afetou parte do princípio insustentável de que eu teria renunciado ao mandato antes mesmo da eleição. Pode? É só ver o tal “documento” juntado ao processo do suplente beneficiado. Não foi devidamente preenchido e é datado de 2004, sem mês e sem dia. O que você acha?
Mesmo assim, um desembargador foi induzido a acreditar que houve “uma renúncia irretratável”.
E aí é que um fantasma atormenta como uma peça de filme de terror. Já está à disposição dessa autoridade judicial a documentação que baliza o contraditório. Neste momento, o processo está concluso ao relator, que poderá submetê-lo ao Órgão Especial quando se considerar convencido de que poderá emitir seu voto.
Mas esse processo é, na verdade, o desdobramento de outro, que corre numa Câmara Cível. A liminar foi concedida contra uma decisão da desembargadora-relatora dessa Câmara, que adotou uma decisão monocrática.
Uma demora eterna
Nos dois fóruns, o interessado em evitar o julgamento se vale do recurso das novas petições. Isto é: o que seria um rito processual tranqüilo não anda. Como não anda, ele vai ficando no meu lugar, com base na tal “renúncia” que nunca ocorreu, até porque, como já definiu o pleno do TRE, essa teria que ocorrer perante a casa legislativa e a partir da posse.
Mas não é só isso, não. O referido suplente trocou de partido depois do dia 27 de março de 2007, data estabelecida em resolução do TSE, com base em decisão do STF, para caracterizar infidelidade partidária.
Ao desfiliar-se, um mês depois de filiar-se a outro partido, o mesmo suplente nada alegou. Simplesmente comunicou que estava saindo.
Fez isso no dia em que a juíza titular da 6ª Vara da Fazenda Pública proferiu sentença, denegando seu mandado de segurança. Isto é, a pendência dirigida em primeira instância, só poderia ser objeto de apelação – não caberia mais agravo sobre uma matéria que já tinha sido decidida.
Há três processos no TRE dependendo de citações. Agora, é questão de dias. Será? Pelo que pude observar, a corte eleitoral está procurando cumprir os prazos e agir com a celeridade necessária. Mesmo assim, o prazo de 60 dias estabelecido pela resolução do TSE já foi vencido.
O que é que você imagina que passa pela minha cabeça? Sinceramente, não ia tocar no assunto hoje. Mas eu não sou de ferro. Sou um ser humano que tem coração, pensa e se considera conhecedor dos seus direitos.
O que você faria se tivesse no meu lugar? De um lado, posso estar sendo precipitado, querendo a Justiça seja o que não pode ser, uma vez que a legislação processual é vulnerável a manobras protelatórias.
De outro lado, porém, não posso aceitar que essa mesma Justiça tenha sido tão ágil na hora de me “cassar” o mandato, como se eu fosse um desses políticos pegos com a mão na massa.
É isso que me exaspera e me leva ao seu ombro amigo, para balbuciar as únicas palavras que podem sair do meu cérebro sofrido. Afinal, nessa questão, eu me sinto muito sozinho entre meus “pares”. E isso, com certeza, eu não mereço.
Neste dia 18, estarei fazendo 65 anos. Quando estava no cárcere da ditadura, achava que aqueles longos meses pareciam uma eternidade. Hoje, porém, tenho uma sensação mais dramática, até porque um mandato popular tem data e hora para findar.
coluna@pedroporfirio.com

Lamento pela volta à prisão do cantor Belo

Desculpe, mas eu não entendo esse rigor da Justiça em relação ao cantor Marcelo Pires Vieira, conhecido como Belo. Está bem que ele jogou conversa fora numa conversa grampeada com um traficante do Jacarezinho.
Mas precisa arruinar sua carreira? Ele é um profissional dos mais respeitados no meio artístico. Cumpriu todo tipo de pena, inclusive respeitou as regras da chamada prisão aberta.
Já estava na condicional, trabalhava sem parar para recuperar o tempo perdido e, no entanto, por uma nova decisão judicial, vai ter que passar as noites no xadrez. E a noite é a quando trabalha, sem falar nas temporadas fora da cidade, que lhe rendem o necessário para garantir o futuro quando sua estrela não mais brilhar.
Por que isso? Ele tem de ficar preso mesmo? E o poderoso jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, assassino confesso de Sandra Gomide, condenado a 19 anos de cadeia, porque goza do privilégio da liberdade?
Você pode dizer: cada cabeça uma sentença. Pode alegar que ex-diretor de um grande jornal brasileiro obteve essas prerrogativas da Justiça paulista. A do Rio de Janeiro não faria o mesmo.
E quantos milhares de perigosos assassinos estão em liberdade, apesar de condenados? E os pilhados com a mão na massa, roubando os cofres públicos, onde estão neste momento?
Decididamente, com todo o respeito que a Justiça merece, com o dever que temos de respeitar suas decisões, principalmente em julgamentos em que houve o contraditório, creio que há uma doutrina mais lúcida no âmbito das execuções penais.
Enquanto esteve na “condicional”, Belo não fez nada para perder esse direito. A mudança na sua situação agora decorre de uma decisão de segunda instância, que reformou a sentença do juiz Carlos Eduardo Figueiredo, da Vara de Execuções Penais (VEP), que no ano passado havia determinado a extinção da condenação por tráfico de drogas, mantendo apenas a por associação para o tráfico.
Em todos os casos, não ficou provado seu envolvimento no tráfico de drogas. Mesmo assim, ele já passou bastante tempo detrás das grades. Só sua firme de determinação de seguir a carreira de cabeça erguida o manteve em um mercado de trabalho que pode deixar de existir para um profissional da noite para o dia.
Não sei de que tipo de recurso se valerá sua advogada, mas lamento profundamente por uma situação dessa natureza. Em qualquer país do mundo civilizado, ele teria uma nova oportunidade e não esse constrangimento constante.
coluna@pedroporfirio.com

terça-feira, 11 de março de 2008

Células embrionárias e transplantes

O órgão a ser tranansplantado é retirado de um doador quando se atesta a "morte cerebral".

MINHA COLUNA NO POVO DO RIO DE 12 DE MARÇO DE 2008
Lamento profundamente que algumas pessoas, movidas tão somente por suas convicções religiosas, insistam em que o governo, que não é de nenhuma religião especificamente, e que a Justiça, ídem, sejam instrumentos de sua maneira de ver questões de saúde pública.
Respeito a fé de cada um. Todos têm direito a ter uma religião. Isso é sagrado. Mas a atitude de cada um deve ser no limite de sua individualidade, pessoal.
Há uma denominação evangélica – as Testemunhas de Jeová - que é contrária à transfusão de sangue. Quem se filiar a essa denominação não pode alegar que desconhece tal proibição. Mas daí a querer que todos os brasileiros sejam contrários, aí seria forçar a barra. E as Testemunhas de Jeová jamais tentaram converter em lei aquilo que é uma leitura própria das escrituras.
Por que a Igreja Católica não segue o seu exemplo? Há muitos segmentos de católicos no mundo inteiro que sonham com curas científicas para algumas doenças, a partir das células-tronco embrionárias que podem se transformar em qualquer célula do corpo humano e devolver vida a muita gente.
Essas células poderão ser usadas no tratamento do câncer, cardiopatias e dezenas de doenças, inclusive o Mal de Alzeimer e o Parkinson (Veja no meu blog http://porfiriourgente.blogspot.com/ )
É claro que as pesquisas terão que avançar muito. Elas ainda não têm a resposta acabada para tais sofrimentos. Mas se ninguém puder pesquisar, não chegaremos a lugar nenhum.
Uma professora universitária de Pernambuco me escreveu lembrando a incoerência dos que alegam existir vida na célula embrionária. Ela comentou: se essas mesmas pessoas aceitam a doação de órgãos de uma pessoa com “morte cerebral”, como podem se postarem com salvadoras de uma célula embrionária?
Veja que raciocínio claro: “Mas me parece que o problema central, na questão das células-tronco é a definição de quando começa a vida. Não era algo fácil de determinar até que, na minha opinião, se definiu quando é que ocorria a morte. Para efeito da doação de órgãos, o critério é o da morte cerebral, uma vez que se constatou que o simples parar do coração não basta. Muitas vezes, dependendo da assistência, muita gente já voltou do "outro lado", depois de alguns momentos de aparente morte. Mas depois que o cérebro para, não há mais volta (é diferente do coma, onde se detectam os sinais de atividade cerebral, apesar do corpo não responder aos estímulos aplicados). Então, não seria um critério possível a ser utilizado? Se a Igreja, católica ou qualquer outra, é capaz de aceitar esse critério para determinar a retirada de órgãos, de alguém que está claramente vivo no sentido amplo da palavra, o lógico é que se determine o momento do desenvolvimento em que o cérebro começa a funcionar, como sendo aquele em que começa a vida. Senão, não faz sentido aceitar a retirada de órgãos”.
coluna@pedroporfirio.com

domingo, 9 de março de 2008

As células da intolerância

Células tronco embrionárias podem se transformar em qualquer célula do corpo humano


MINHA COLUNA NO JORNAL POVO DO RIO DE 11.03.2008





A Igreja Católica Apostólica e Romana sempre exerceu forte poder de influência sobre os assuntos de governo, que não são de sua competência, porque o Brasil é um país laico desde a Proclamação da República.
Enquanto investe contra outros segmentos do cristianismo, que crescem a olhos vistos, acusando-os de interferir na política, é ela quem realmente ainda tem sido implacável na sustentação de seus dogmas, que não podem se confundir com as leis do país.
Como o Brasil ainda é um país majoritariamente católico, e como os católicos estão nos centros dos poderes, ela cobra fidelidade dogmática dos seus fiéis, como uma boa dose de intolerância.
Uma intolerância que, infelizmente, ninguém tem coragem de denunciar, até porque ela costuma ser implacável com os que não seguem suas determinações.
O que está acontecendo com esse veto religioso às pesquisas com células embrionárias remonta os tempos obscurantistas da inquisição, em que os “hereges” eram queimados na fogueira.
Qualquer um sabe que se não forem usadas para a cura de milhares de pessoas, essas células embrionárias não terão nenhuma utilidade. Dizer que elas já representam vida é o fim da picada, é forçar a barra mais da conta.
Mas a Igreja Católica Apostólica e Romana, que perde terreno diariamente para denominações evangélicas, quer por que quer que os assuntos de saúde pública desprezem o imenso potencial que a ciência oferece. Quer porque, ao longo de sua história, essa igreja comandada pelo Estado do Vaticano, nunca assimilou os avanços da ciência, mesmo quando eles representam, como no caso das células embrionárias, a possibilidade de fazer milhares de deficientes físicos andarem, de encontrar uma cura para doenças tão graves como a diabete.
Foi por ser católico fervoroso que um ilustre procurador geral da República argüiu a inconstitucionalidade de uma Lei sancionada em 2005. E foi pela mesma razão que um ministro do Supremo interrompeu a votação da matéria na sua corte, conseguindo protelar uma decisão definitiva da Justiça, mesmo que isso tenha frustrado tantos cristãos, que sonham viver com saúde, como qualquer filho de Deus.
Quando se trata de investir contra igrejas que lhe fazem sombra, a cúria católica encontra sempre os piores defeitos e, ainda por cima, ganham fáceis multiplicadores.
Mas num episódio tão lamentável como esse, em que se pretende tratar salvação de vidas e curas de doenças com o olhar intransigente da religião, o que se vê é um silêncio sepulcral, como se fosse perigoso discordar do que o Papa não gosta.
É uma pena porque tal intolerância e tal terror um dia cairão em desuso, como aconteceu com tantos outros dogmas. Só que para alguns será tarde demais.
coluna@pedroporfirio.com


Em defesa da vida e contra a ditadura da religião

Repassada por Margarida Pressburger

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ

margarida.pressburger@oabrj.org.br

O Supremo Tribunal Federal deve começar a tomar uma decisão sobre a continuidade das pesquisas sobre células-tronco embrionárias a partir de amanhã, atendendo a uma ação de inconstitucionalidade movida pelo ex-procurador geral da República, o católico Cláudio Fonteles, contra a Lei de Biossegurança. A atual legislação permite cientistas usarem embriões inviáveis ou congelados há mais de dois anos em pesquisas. Defendo essas pesquisas incondicionalmente. Não vou explicar o quanto são importantes, nem entrar no debate filosófico-teológico de quando a vida começa. Pouco importa. Um grupo de 100 células embrionárias não pode ter o mesmo valor de um ser humano nascido. Se for necessário utilizar essas células para que alguém volte a andar, ouvir e enxergar ou seja curado de uma doença degenerativa fatal, que se faça. Caso determinada religião seja contra, sem problema. Oriente seus fiéis a morrer sem utilizar o tratamento e curar-se na outra vida. O Estado brasileiro tem que desenvolver as pesquisas nesse campo para garantir uma opção médica futura aos milhões que não têm dinheiro para viajar ao exterior em busca de tratamentos de ponta quando um problema aparecer. E alguém duvida que muitos dos que são contra o uso de células-tronco não usariam terapias genéticas se descobrissem uma doença grave? É uma vergonha absoluta não darmos a devida atenção às milhares de mulheres que morrem todos os anos por conta de abortos clandestinos mal-feitos como alternativa à inexistência de uma política pública nesse sentido. Ou as pessoas que são obrigadas a passar por dores insuportáveis simplesmente porque não tem o direito de aliviar seu sofrimento dando fim à própria existência, uma vez que a vida não lhes pertence. Ou ainda, ver igrejas fazer campanhas contra o uso do preservativo porque acham que o sexo deveria ser controlado para a procriação. É extremamente salutar que todos os credos tenham liberdade de expressão e possam defender este ou aquele ponto de vista. Mas o Estado brasileiro, laico, não pode se basear em argumentos religiosos para tomar decisões de saúde pública. Já é um absurdo os prédios públicos, como o plenário do STF, ostentarem crucifixos, agir em prol deles seriam a derrota da razão. "É cultural", justificam alguns. O argumento é risível, o mesmo dado por fazendeiros que superexploram trabalhadores, defendendo uma cultura construída e excludente. Nesse caso, poderíamos considerar que vivemos em uma ditadura religiosa, pois uma democracia prevê o respeito pelas minorias. Não é uma questão religiosa, é científica. Mas não importa o que acreditamos, a qualidade de vida do meu semelhante é que importa. O resto é assunto para o Santo Ofício, que está em alta desde que Joseph Ratzinger assumiu o trono de Pedro. A humanidade já deveria ter evoluído para deixar as cruzadas de lado, mas os conservadores da igreja botam cada vez mais lenha na fogueira de sua guerra santa, em uma luta contra o ser humano.

Autor desconhecido

quinta-feira, 6 de março de 2008

Os interesses da droga à sombra da ação no Equador


Eleito deputado por Medelin em 1982, com o apoio de Uribe e muito dinheiro usado na construção de casas para vítimas de uma enchente, o megatraficante PABLO ESCOBAR posa com seu filho Juan Pablo diante da Casa Branca, em 1982

Em 1991, graças ao empenho do então senador Álvaro uribe, a nova Constituição foi promulgada com o artigo que proíbe a extradição de colombianos, conforme acordo com o narconatráfico.


Documento do Serviço de Inteligência do Ministério da Defesa dos EUA, de 1991, aponta ligações íntimas de Álvaro Uribe com o Cartel de Medelin, comandado pelo megatraficante Pablo Escobar
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 7.03.2008
“Álvaro Uribe Vélez - um político e senador colombiano se dedicou à colaboração com o cartel de Medellin em níveis elevados de governo. Ele foi ligado a um negócio envolvido em atividades do narcotráfico nos Estados Unidos, trabalhou para o cartel de Medellin e é um amigo pessoal próximo de Pablo Escobar Gaviria”.
Relatório da U.S. Defense Intelligence Agency, de 1991 (Página 82 ), transcrito por Joseph Contreras e Steven Ambrus na edição de 9 de agosto de 2004 da revista norte-americana Newsweek .
Permita que eu meta minha colher nessa sopa de letrinhas que envolve meio mundo na fronteira colombiana. Espero que possa oferecer algumas informações colhidas nas mais diversas fontes, inclusive o intelligence report from U.S. Defense Intelligence Agency (DIA) officials in Colombia, de 1991, cujo teor é hoje conhecido e, por sinal, muito atual.
E se passei noites inteiras na busca de explicações mais plausíveis para a crise que levou o Exército colombiano a invadir território do Equador, é porque, infelizmente, estamos nos habituando cada vez mais às informações empacotadas por fontes que têm interesses nos eventos.
Por que o presidente Álvaro Uribe Velez, outrora tido como uma peça da máquina de Pablo Emílio Escobar Gavíria, o temido chefe do Cartel de Medelín, resolveu chutar o pau da barraca e criar um fato novo, capaz de baixar a bola do presidente Chávez e até do confuso presidente francês, Nicolas Sarkozi, que, envolto em mal entendidos amorosos, se disse disposto a ir buscar na selva a senadora franco-colombiana Ingrid Bettancourt, refém das FARC há seis anos?
Por que correu atrás logo do guerrilheiro que bancava a possibilidade de um acordo de paz entre os seus 20 mil companheiros de luta armada? Por que suas tropas foram pegar os inimigos em outro país, executando-os dormindo, numa operação que só não pegou mal para o amigo George W. Bush?
Não precisa ser partidário disso, nem daquilo. Não precisa ver os fatos com olhares de paixão. Qualquer meninote sabe que estava aberto um caminho para ações humanitárias, capaz de salvar dezenas de vidas entre mais de 700 reféns que o super armado Exército colombiano não consegue resgatar.
Desespero de causa
O problema não é só a obsessão do terceiro mandato presidencial que esse ex-vereador e ex-prefeito de Medelín viu ameaçada, ao perder inteiramente o controle das iniciativas e, pior, ao ver frustradas suas tentativas de “melar” os resgates de 6 compatriotas através da Venezuela.
Se você está ligado nos fatos e tem uma razoável memória há de lembrar que Chávez começou suas articulações de comum acordo com Uribe, com quem se reuniu mais de uma vez. Deve lembrar que, num determinado momento, o enigmático governante colombiano dispensou os serviços do colega, alegando que ele estabelecera uma linha direta com seus chefes militares.
Deve lembrar que a opinião pública internacional, motivada pela mãe da senadora, estava na torcida organizada pela libertação desses reféns, independente do que isso pudesse representar em algum tipo de concessão. Afinal, quem mantém cativa tanta gente, apesar de todos os bombardeios com os nossos xavantes vendidos como ajuda do presidente Lula ao governo de Uribe, da militarização da área, da abundância de dólares “made in USA” não iria abrir mão de reféns só pelos belos olhos do mulato venezuelano.
Goste ou não da guerrilha colombiana, haverá de entender que ela não se mantém ativa por 43 anos só porque tem drogas para trocar por armas. Ela sobrevive e sobrevirá sempre com 20 mil homens em armas porque, no fundo, compõe um manipulado mosaico do interesse daqueles que, em outras partes desse país de 40 milhões de habitantes, precisam ficar à vontade para continuar movimentando um negócio internacion al de U$ 500 nilhões, graças às transações com maior mercado consumidor do mundo, a terra de Malboro.
Ou você não sabe que, embora tenha apenas pouco mais de 4% da população mundial , os Estados Unidos respondem pelo consumo de 25% do consumo de drogas, conforme disse um dia, num lamento deprimente, o ex-presidente Bill Clinton?
Sociedade anônima

Duvido que você saiba do que vou lhe dizer agora: a produção da cocaína é resultado de um acordo envolvendo “empresários” da Colômbia e dos Estados Unidos. Sabe por que eu digo isso?
Anota aí u ma aula de química da pesada: como lembrou um dia o ex-presidente Andrés Pastrana Arango, para produzir a cocaína, não bastam as folhas de coca. "É preciso fazer a pasta com a adição de permanganato de potássio, um produto importado diretamente dos EUA e da Europa", usando muitas vezes documentação esquentada e destinatários laranjas, preferindo para tais cargas, distribuídas em pacotes de menos de 5 quilos, navios de bandeira chinesa.
O permanganato de potássio representa 10% da droga. Para cada quilo desse produto importado, tem-se dez de cloridato de cocaína. E sabe quem foi seu o maior importador desde o tempo em que Uribe ainda era o prefeito abençoado por Pablo Escobar? Segundo Donnie R. Marshall, chefe DEA – a agência anti-drogas dos EUA, os navios apreendidos pela Aduana da Califórnia em 2001,eram destinados a uma empresa chamada GMP Productos Quimicos, SA (BPF Produtos Químicos), de Medelín, cujo titular atende pelo nome de Pedro Juan Moreno Villa, o gerente de campanha presidencial e ex-secretário de Uribe, quando ele era governador do Estado de Antióquia entre 1995 e 1997.
Bem, para saber de tudo nos mínimos detalhes, entre outras fontes, dê uma passada no blog da combativa paranaense Nédier Brusamolin Müller (http://meunomeenedier.blogspot.com/2008/03/entenda-o-que-est-por-trs-de-colmbia-x.html).
Será que você captou minha mensagem? Ao governo de Uribe não interessa a paz. As FARC serão sempre as forças do mal que alimentam o esquemão montado com os empresários e milicianos de lá.
Enquanto elas existirem, os contribuintes norte-americanos estarão mandando dólares em bilhões para o “combate ao narco-tráfico” na Colômbia, país que recebe uma polpuda “ajuda dos EUA” ( algo em torno de 8 bilhões,segundo Argemiro Ferreira) e onde a grana rola de bolso em bolso de um grupo da pesada.
Numa crise social como jamais viveu, a Colômbia de Uribe cumpre muito bem o papel de cabeça de ponte dos interesses norte-americanos, bastante isolados no Continente: Uribe foi o único presidente sul-americano que apoiou a invasão do Iraque.
Como conseguiu em 1994 induzir o seu Congresso a mudar a Constituição de 1991 para ser reeleito (usando os mesmos expedientes de FHC), ele já trabalha pelo terceiro mandato, sem pensar em referendo: basta a mão amiga dos EUA, a desinformação e a manipulação da informação por uma mídia que vai de mal a pior.
O verdadeiro alvo
Como escreveu Cláudio Tognolli, um dos mais respeitados jornalistas investigativos do país, nessa sopa de letrinhas colombiana, há também uma outra batata assando.
Em sua análise dos acontecimentos, ele dá uma boa dica para um melhor entendimento dessa operação desastrado por ordem do ex-pupilo de Pablo Escobar:
“Os EUA têm na Colômbia de Uribe seu único porto seguro na América do Sul. Ver o aliado enfraquecido não é bom. Um acordo de paz com as Farc também não é bom. Retira dos EUA sua desculpa para permanecer na Colômbia...
A crise política entre as nações é uma mão na roda para os EUA. Provoca instabilidade, torna Uribe ainda mais dependente dos americanos e é desculpa para reforçar sua presença no continente.
O alvo principal dos americanos é a Venezuela. Os americanos não dão a mínima para a coca da Colômbia. Dependendo do desenrolar da crise, os americanos podem achar o que procuravam há muito para eliminar Chávez”.
Para mim, no entanto, não foi essa a razão que levou o ambicioso presidente colombiano a chutar o pau da barraca. Há mais de quatro séculos, os negócios das exportações de cocaína, que somam anualmente mais de 10% do PIB colombiano e envolvem como sócios, como demonstrei, “empresários” do principal país consumidor, se desenvolvem por entre meandros sinuosos e envoltos em uma cartola mágica que transforma bandidos em mocinhos.
Num estudo profundo a respeito da apreensão de cargas do produto em portos norte-americanos, o especialista Al Giordano, do “Narco News”, enfatizou:“quem controla o permanganato de potássio no mercado colombiano - um produto que deve ser importado a partir de continentes distantes - verdadeiramente controla o tráfego mundial de cocaína processada”.
Insisto, portanto, na minha própria conclusão sobre a sopa de letrinhas colombiana. É preciso manter o ambiente de "entrega do ouro ao bandido" , o que não é nada original.
Assim como no Brasil se descobriu ligações entre contraventores e o narcotráfico, na Colômbia as milícias – ou paramilitares que corporificam os grupos de extermínio da “direita” - não passam de exércitos auxiliares do narcotráfico e são sabidamente mantidos com a exportação da cocaína colombiana.
Não foi por acaso que Álvaro Uribe Vélez bancou o artigo 35 da nova Constituição colombiana. Promulgada em 1991, a Constituição estabeleceu claramente: “não procederá a extradição quando se trate de fatos cometidos com anterioridade à promulgação da presente norma”.
Dois anos depois, numa autêntica queima de arquivo, o policiais colombianos executaram Pablo Escobar, o traficante que se fez deputado em 1982 pelo Estado de Antioquia na legenda do Partido Liberal de Uribe, com a fama de benfeitor de Medelim, onde o então prefeito deu seu nome à vila de 500 casas que o traficante construiu para vítimas de uma enchente e para catadores de papel.
Para entender os últimos acontecimentos que provocaram a justa indignação do presidente do Equador é preciso, portanto, acessar os subterrâneos de um mundo que continua dando as cartas, enquanto seus amigos no poder concentram suas ações num confronto com as FARC de que, paradoxalmente, também não podem prescindir.
coluna@pedroporfirio.com
EM TEMPO: Este texto é bem maior do que a coluna da TRIBUNA devido ao limite de espaço no jornal (6 mil caracteres).

terça-feira, 4 de março de 2008

Um drama social que vi com meus próprios olhos



Na noite da sexta-feira passada atravessei a ponte e subi a serra para descer em Araruama,onde fui assistir à formação da primeira turma do Sudeste de alunos da Escola de Líderes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
Eram 30 alunos, que passaram por três módulos. Num deles, em Vila Velha, no Espírito Santo, fui um dos expositores falando da história do movimento camponês, ao qual estive ligado nos meus vinte anos.
Havia entre os formandos, desde jovens imberbes até homens de cabelos brancos, como eu. Eram pessoas cuja preocupação central passava pela inexistência de uma política consistente de reforma agrária.
De um modo geral, os últimos governos têm administrado pressões. Mas em nenhum momento, ao contrário do que aconteceu no governo João Goulart e no regime militar, que criou o Estatuto da Terra, os governos neoliberais, inclusive o do Partido dos Trabalhadores, adotaram uma estratégia de reforma agrária. Estão mais voltados para o agro-negócio, de olho nas exportações de soja e outros produtos que pesam na balança comercial.
É isso que qualquer cidadão da classe média precisa considerar, antes de criminalizar os movimentos sociais. Eles recorrem a todo tipo de ação para forçar o governo a reverter esse quadro perigoso, que concentra hoje 92% da população brasileira nas cidades, com os problemas que isso acarreta.
Vê se você está entendendo: o cidadão só deixa sua terra na aventura do desconhecido por falta de estímulo e meios de sobrevivência na lavoura. A atividade rural está cada vez mais concentrada em grandes fazendas mecanizadas e na criação de gado de corte.
Estou muito à vontade para falar, porque meu pai, que perdi aos 7 anos de idade, era fazendeiro. No Ceará, com todos as adversidades conhecidas, é verdade. Mas era dono de muitas terras. Pelo que me contam, era um homem muito rude, mas justo e humano. Pode ser que isto esteja no meu DNA.
Foi exatamente pela diferença de futuros que me vi tocado pelo sofrimento dos camponeses. Meus irmãos mais velhos se formaram na década de 30, em faculdades fora do Estado, porque nessa época ainda não se ensinava Medicina e Engenharia no Ceará.
Nós, do segundo casamento, tivemos oportunidades. E aqueles filhos de Deus com quem eu ia caçar passarinho e pescar no açude? Estavam condenados ao analfabetismo e a um tipo de vida escrava. Lembro bem que os camponeses, durante a semana, almoçavam apenas feijão, farinha e uma rapadura.
É certo isso? O que eu vi no curso, que foi organizado por uma confederação “moderada”, me fez remontar minha infância. Falei aos formandos e insisti: é preciso que o conhecimento chegue aos mais distantes rincões. É preciso que a gente das cidades, e não só os governos, olhe com carinho os nossos homens do campo. São eles que, bem ou mal, produzem os nossos alimentos.
coluna@pedroporfirio.com




















domingo, 2 de março de 2008

Por que você fez isso, Fernanda?

De inicio, eu não acreditei. Nem podia acreditar. A corrosão do caráter está em alta nesta sociedade competitiva, em que todos são rivais de todos, em que renegar o ontem virou rotina, num ambiente tétrico do salve-se quem puder.
Não acreditei porque há pessoas que se fizeram por seus próprios méritos, cresceram, ganharam a admiração geral, tornaram-se exemplos para todos.
Essas pessoas não têm direito de destruir o respeito cultivado através de décadas, o carinho, a admiração, enfim, elas deixam de pertencer a si para se tornarem partes de todos nós, como se parentes próximas fossem.
Estou querendo falar de uma pessoa com quem convivi nos piores momentos de minha vida, que foi digna, solidária, amiga, corajosa. Porque, nesses piores momentos, quando eu estava proscrito, socorreu-me o apoio de pessoas como Sandra Cavalcanti e Paulo Vial Corrêa, de pensamentos políticos bem diferentes do meu.
Mas que, pelo respeito profissional e pela amizade conquistada no trabalho, responderam por aqueles que me abandonaram à própria sorte.
Naquele início dos anos setenta, difíceis para quem tinha passado um ano e meio nos cárceres da ditadura, além da sempre amiga Sandra Cavalcanti, contei com a acolhida de uma pessoa hoje admirada por todo este Brasil.
Falo de Fernanda Montenegro, cujo nome dispensa apresentações. Como não podia ter emprego de “carteira assinada”, como vivia na semi-clandestinidade, ela me fez seu divulgador, na base da confiança.
Minha ligação com o teatro, em que acabei me tornando um dos autores de sucesso naquela década até 1982, quando voltei-me para a atividade pública, passa por aqueles dois anos em que fui o “assessor de imprensa” de Fernanda Montenegro e Fernando Torres, seu marido, a lucidez em pessoa.
Pois o que eu vi agora me deixou totalmente arrasado. Um internauta atento, que é apenas um dos milhares logrados criminosamente no massacre da VARIG e do Aerus, enviou um e-mail, com link para o “Youtube”, no qual minha amiga Fernanda Montenegro tem o desplante de declarar num programa de tv, que “os americanos deveriam tomar conta do Brasil Central”.
A Fernanda Montenegro que conheci em 1972 não bebia, não perdia a linha e nem sem rendia. Naquela época, ela estava fora da televisão por causa de sua desassombrada independência.
Agora, me leva a mais uma decepção, a mais um sofrimento, ao declarar num programa de tv que a Califórnia teria sido uma ruína se não tivesse sido tomada do México pelos Estados Unidos. “Então, eu acho que realmente o americano deveria tomar conta do Brasil Central”. Ao ver aquilo, foi como se eu tivesse recebido mais uma punhalada no meu coração sangrado.
Nós, pobres mortais, não merecemos. (veja com seus próprios olhos em
http://br.youtube.com/watch?v=RBxRa_dz1MQ)
coluna@pedroporfirio.com

Holocausto dos palestinos: uma “vingança” inacreditável




Em 2002, eu e o vereador Rubens Andrade conhecemos o ministro Erekat, um fervoroso defensor de um acordo na Palestina

"Quanto mais os ataques com foguetes se intensificarem, maior será o holocausto, porque usaremos o que for necessário para nos defendermos".
Matan Vilnai, vice-ministro da Defesa de Israel


Quem diria? “HOLOCAUSTO”, uma palavra que traz as mais dramáticas lembranças para os judeus, entra no dicionário do governo de Israel para identificar um sentimento de vingança inaudito, inacreditável, impensável.
O “holocausto” dos palestinos de Gaza aconteceu a uma temperatura de 13 graus, neste sábado frio, primeiro de março de 2008. E ainda vai continuar, em desenfreados bombardeios sobre uma das regiões mais densamente povoadas do mundo -1 milhão 428 mil 757 habitantes para 360 Km2.
Não foi uma vingança só contra os palestinos. Foi um disparo sobre o coração de todo o mundo e, o que é mais patético, sobre a própria tradição judaica.
Os kosher (ortodoxos) não admitem sequer acender uma luz no sábado, dia sagrado, no qual o mínimo esforço deve ser evitado, até mesmo chamar o elevador.
Campo de concentração
E, no entanto, foi esse sábado passado que os sionistas de Israel escolheram para reencenar o holocausto, invertendo o papel dos judeus e usando como alvo um povo que vive hoje, por obra e graça de Israel, com o apoio dos belicistas ocidentais, num autêntico campo de concentração.
A violência das expedições punitivas, segundo os mesmos figurinos nazistas, foi tal que o moderado presidente da fictícia Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, se viu na contingência de suspender as negociações com o governo israelense.
“As negociações com Tel Aviv estão enterradas sob os escombros das casas destruídas em Gaza" – desabafou Saeb Erekat, um dos principais negociadores palestinos, que conheci pessoalmente quando, em julho de 2002, em companhia do vereador Rubens Andrade, ousei atravessar o mar morto sob fogo de artilharia , e chegar até a milenar Jericó, no sistema nervoso daquele mundo em guerra, para levar uma palavra de conforto a Yasser Arafat, o líder palestino que estava preso em seu “gabinete” de Ramalah, cercado por tanques israelenses.
A bem da verdade, a barbárie sionista não começou e nem parou no sábado, fazendo mais de 100 vítimas fatais. No domingo, a matança continuou: entre os mortos, um garoto de 14 anos, vítima de um tiro durante o enterro das vítimas de véspera.
E não é por acaso que tantos meninos são sacrificados pelos ataques israelenses. A Faixa de Gaza tem uma das populações mais jovens do planeta, com 48,1% dos seus moradores com menos de 14 anos de idade.
Naquele inferno que não conseguimos acessar, embora tivéssemos ido de Tel Aviv a Nazareh e de lá a Jerusalém, depois a Jericó, num esforço para burlar os blindados e ver o drama de um povo milenar com os próprios olhos, concentra-se hoje uma população tão humilhada que até a fronteira com o Egito árabe é regularmente fechado por uma grande muralha.
A faixa de Gaza não é reconhecida internacionalmente como pertencente a nenhum país soberano. O espaço aéreo e o acesso marítimo são controlados por Israel, que ocupou militarmente o território entre Junho de 1967 e Agosto de 2005. A jurisdição é por sua vez exercida pela Autoridade Nacional Palestina.
Segundo dados de 2006, da população de 1,4 milhão de habitantes , cerca de 40% são refugiados chegados nas duas vagas geradas pelas guerras de 1948-1949 e de 1967; os restantes são populações nativas, que tentam sobreviver nas cidades, entre as quais se destacam Gaza, Khan Yunis, Rafah e e Dayr al Balah.
O “holocausto” teve como pretexto as ações isoladas de alguns militantes do grupo Hamas, que lançaram alguns foguetes sobre cidades israelenses vizinhas, o que causou a morte de uma pessoa em Sderot, no sul.
No bombardeio de sábado, as balas israelenses tiraram as vidas de 71 pessoas, das quais 9 mulheres e 6 crianças. Jacqueline Abu Chbak, de 12 anos, e seu irmão, Iyad, 11 anos, morreram enquanto dormiam, vítimas da queda de um foguete na casa deles, de acordo com moradores. Uma mulher foi atingida no peito enquanto preparava o café-da-manhã para seus filhos.
6.245 vítimas fatais
Este sábado foi um dos dias mais violentos desde que o Hamas tomou o controle, em junho de 2007, da faixa de Gaza. As últimas mortes elevam para 6.245 o número de mortos nos confrontos entre Israel e Palestina desde 2000, em sua quase totalidade palestinos, de acordo com um resumo elaborado pela France Presse.
Embora o governo de Tel Aviv esteja pouco ligando para a repercussão internacional negativa de seus atos brutais, o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, condenou os ataques israelenses e os considerou "desproporcionais e excessivos".
Pelo que se viu, esta poderá ser mais uma semana do genocídio programado com o nome de “holocausto dos palestinos da faixa de Gaza”. O primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, afirmou neste domingo que a ofensiva militar ali não será interrompida "nem por um segundo". As operações israelenses na região fizeram deste sábado o dia mais sangrento para os palestinos, desde a última intifada contra a ocupação israelense, no início de 2000.
A ofensiva, que continuou neste domingo, deixou mais de 70 palestinos mortos no sábado. O Egito decidiu abrir a fronteira com Gaza para permitir a entrada de feridos em seu território e o envio de medicamentos à região. Dezenas de feridos se agrupavam na fronteira esperando que as autoridades egípcias permitissem o acesso.
Faço esse relato com uma boa dose de sofrimento. Desde 1967, tenho acompanhado o dia a dia da construção de um Estado racial sobre milhares de cadáveres de Palestinos. Para conferir, fui lá. Vi que entre os israelenses há um sentimento de paz.
Testemunhei o crescimento do “Movimento Paz Agora”, surgido a partir de uma carta enviada em 1978 ao premier Menachem Begin por 348 oficiais e soldados da reserva. Naquele 2002 em que estivemos na terra santa já se falava em 500 mil israelenses que exigiam uma solução de paz, com o reconhecimento dos territórios palestinos árabes antes da guerra dos 6 dias, em 1967, inclusive as colinas de Golã, tomadas da Síria.
Hoje, sinto-me no dever de voltar a denunciar a covardia contra populações civis, que não têm nada com atos isolados de grupos radicais. Israel tem o mais sofisticado serviço secreto do mundo. Não precisa matar crianças para se vingar de alguns terroristas.
coluna@pedroporfirio.com