domingo, 24 de fevereiro de 2008

Pior que a Lei de Imprensa é o filão dos “danos morais”

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 25 DE FEVEREIRO DE 2008

“O país não pode prescindir de uma Lei de Imprensa, moderna e contemporânea. O exercício do jornalismo não pode estar submetido ao controle do Código Civil.”
Celso Schröder, vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas.

Desculpe a franqueza, mas este país está cada da vez mais ridículo. Ridículo? Reconheço que estou sendo generoso. Onde campeia a mais exaltada mediocridade, onde os espertos manejam os cordéis de todos esses podres poderes, onde a percepção crítica evapora-se por todos os poros e os cérebros são encadernados por controle remoto em séries numeradas, a astúcia da farsa diversionista contamina muito mais do que aparenta.
Tem sentido essa festa de arromba para mais um ato monocrático e plenipotenciário de um astro do Poder Judiciário, no uso dessa perigosíssima ferramenta chamada LIMINAR, como se com ela estivessem nos livrando de um “entulho autoritário” que sobrevive há 19 anos desde a nova Constituição? É preciso esclarecer:
Primeiro: essa “decisão histórica” chove no molhado, já que a antiga Lei de Imprensa, mesmo mantida após a 1988, perde sua validade nos casos em que conflita com a Lei Maior. Não há, portanto, nenhuma novidade a comemorar.
Segundo: não sendo advogado, ouso dizer que houve mais uma vez a banalização da medida LIMINAR. Não se configuravam as premissas que devem se somar: o “periculum in mora” (perigo da demora) e o “Fumus boni iuris” (fumaça do bom direito).
Terceiro: sem uma Lei de Imprensa, caímos na vala comum do Código Civil, sujeitando-nos ao filão dos “danos morais”, preferido por 9 em cada 10 reclamantes, porque, conforme o parágrafo primeiro do seu artigo 953 “se o ofendido não puder provar prejuízo material, CABERÁ AO JUIZ FIXAR, EQÜITATIVAMENTE, O VALOR DA INDENIZAÇÃO, NA CONFORMIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO”.
Quarto:
a petição assinada pelo deputado Miro Teixeira em nome do PDT foi uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, mas em caráter genérico, não identificando nenhum direito lesionado. Poderia ser até matéria para o STF, mas sem fugir ao rito processual regular.
O próprio PDT assina uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – a ADI 3994 - contra artigos da Lei 11.101/05, que ferrou de cara 9 mil trabalhadores da VARIG, cujos direitos trabalhistas foram solenemente desconhecidos. Na ação de agosto do ano passado, que criou o primeiro grande desconforto para o ministro Carlos Lupi, o PDT também requereu LIMINAR. E até agora, nenhuma fumacinha pintou no horizonte perdido.
Ao contrário: a petição dormita entre as pilhas de processos distribuídos ao ministro Ricardo Lewandowski, desde o dia 2 de agosto de 2007.
De cabeça para baixo

Vamos e venhamos: puseram nossa pátria amada de cabeça para baixo. O Executivo legisla por medidas provisórias, o Judiciário, por liminares, e o medíocre Poder Legislativo simula investigar para ser pautado pela grande mídia.
No caso da medida provisória, embora ela possa ser reeditada muitas vezes, tem prazo para votação no Congresso e ainda tranca sua pauta. Já nas liminares, elas podem durar como se fossem leis: estão aí os escândalos dos bingos, dos combustíveis adulterados e outros mais que não convém falar aqui, agora.
A medida provisória é abominável, mas poderá ser ou não confirmada por outro poder. Já a liminar permite ao magistrado dispensar o contraditório pelo tempo que quiser, desrespeitando o próprio regime interno do seu tribunal. Com o dote da liminar, um desembargador de uma Câmara Civil pode cassar o mandato de um parlamentar e demorar dias,meses e anos a submeter sua decisão ao colegiado, embora esse mandato tenha dia e hora para findar.
Nesse fim de semana, venderam-se delírios no varejo com a história de que finalmente raiou a liberdade de imprensa, a partir da canetada solitária de um prócer do Judiciário. Agora, segundo o canto da sereia, estamos livres dos pescoções da lei. Já podemos escrever sem medo do cerceamento coercitivo.
Quanta mistificação! Se a nova carta já travava os artigos da velha lei agora liminarmente engavetados, qual a eficácia do parto judicial? E o frenesi dos “DANOS MORAIS”, filé mignon no estoque de pleitos de 500 mil advogados, formados em mais de mil faculdades? Quem ousa enfrentá-lo?
Certamente, você não pesquisou o Código Civil e talvez nem tenha tido conhecimento do teor dos artigos expurgados da antiga Lei de Imprensa. Mas se der uma olhadela na parte do Código que se refere às indenizações ( que vai dos artigos 927 a 954), verá que por aí a emenda saiu pior que o soneto.
Não estou aqui para defender a Lei de 1967, mas concordo com Mauro da Silva Porto, que comentou a notícia no espaço de leitores GLOBO ON LINE, observando: na lei questionada “até indenização era tarifada, ou seja, bem melhor, pois estabelecia um limite de condenação”.
Limites pecuniários
É verdade. Enquanto agora estamos sujeitos a cálculos de acordo com a cara do freguês, o artigo 51 da Lei 5.250/67, definia as punições pecuniárias nos mínimos detalhes: a maior punição por responsabilidade civil custava 20 salários mínimos (R$ 7.600,00), quando em “falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade (art. 49, § 1º)”.
Hoje, é preciso realmente ter uma Lei de Imprensa que garanta os direitos da sociedade contra os abusos da mídia. Mas essa Lei não pode virar uma metralhadora giratória contra todo o dito e não dito. Mais do que isso, precisa explicitar em seu texto, no que tange a indenizações, a capacidade econômica de cada veículo e a realidade salarial dos profissionais de imprensa. Por ora, a decisão festejada expõe a liberdade de expressão às variáveis do Código Civil, onde os parâmetros do julgador obedecem ao dito popular: cada cabeça uma sentença.
Essa liminar do ministro do STF, que se soma ao grande arsenal que transforma cada magistrado num senhor das leis e do direito, só tem o mérito de reabrir uma discussão que vai e volta, conforme a falta ou excesso de assuntos em pauta, enquanto desde 1991 desfilam pelo Congresso projetos de nova Lei de Imprensa.
Eu, pessoalmente, não tinha medo da velha norma. Mas me sinto totalmente constrangido de falar certas coisas, principalmente em relação a atos no poder judiciário, por causa do caráter subjetivo dos “danos morais”, usados com fartura num mundo jurídico indevassável, intocável, blindado e municiado de liminares para todos os lados, que ninguém pode questionar, sem o risco de ficar no prejuízo ou ir à falência.
coluna@pedroporfirio.com

Nenhum comentário: