“Para nós, quanto menor a transparência, maior é o grau de segurança” – general Jorge Felix, chefe de Gabinete da Segurança Institucional da Presidência da República.
Vamos e venhamos: toda essa sucessão de disfunções que inspiram o comportamento dos titulares desses podres poderes tem um conteúdo essencialmente existencial e efeitos colaterais degenerativos, transformando em perigosa rotina um abominável despautério.
Estamos diante de um ambiente semelhante à pequena Sodoma, descrita no livro de Ezequiel como terra da abundância, da insolência e da insensibilidade. A diferença é que aqui não escapa uma viva alma, ninguém que possa se assemelhar à figura bíblica de Ló, sobrinho do patriarca Abraão.
A exposição pictórica do desfrute abusivo das facilidades da casa da mãe Joana não é nem de longe original. Com as alquimias que os discípulos do monge Grigoriy Yefimovich Rasputin engendram a cada cenário, mais do que o Estado como expressão institucional, é o próprio gênero humano desestruturado moralmente que vai sucumbindo nos caminhos ínvios sob incontidos impulsos dos cantos das sereias.
A modernidade, que tantos e belos avanços nos trouxe, respondendo hoje por mais anos de vida no resgate da nossa primeira sina biológica, exagerou na produção inevitável dos seus contrários. Para cada ganho, cada virtude revelada, gera numa terrível contrapartida, uma atmosfera tão poluída que já não se pode contar com o equilíbrio compensatório.
Os genes da safadeza
Antes, como o culto da ambição desmedida e da ignomínia exaltada inoculou no cérebro humano os genes da safadeza, a peste que mina o poder parece uma hidra invencível, reproduzindo sua ideologia hipócrita sobre o conjunto da sociedade humana.
O sentido real da maldição de Sodoma e Gomorra é muito mais do que a primeira leitura dos livros sagrados. Segundo o constante de Gênesis 18:20-33, como o patriarca Abraão intercedia pelo povo do vale do Sidin, na mira do castigo letal, Deus fez um desafio: se houvesse em Sodoma dez pessoas justas, a cidade não seria destruída.
Como a missão de dois anjos disfarçados de forasteiros não conseguiu achar nesse desiderato senão o próprio sobrinho de Abraão, só restou ao criador despejar toda a sua ira, em forma de um implacável fogaréu.
No mundo de hoje e, em particular, nesta terra descoberta por Cabral, vai ser difícil encontrar igual número de recatados. Se estes existem, estão escondidos na penumbra e nos subterrâneos, com medo de lhes cortarem as cabeças, sob o grave anátema de jurássicos subversivos por serem incorruptíveis.
O espetáculo do crescimento dos cartões corporativos, que deixa à mão de insaciáveis cortesãos um cheque em branco, é um corpo de delito imperdoável, mormente quando se sabe que 75% dessa fortuna pública foram sacados à beira do caixa, em dinheiro vivo, sem qualquer explicação. E o que é pior: a farra maior é a dos áulicos do palácio presidencial, que pretendem blindar, deixando a batata quente para os demais apaniguados.
Mas essa coletânea delituosa e imoral é café pequeno diante de uma dispensa de licitação de R$ 450.000,00 por serviços desconhecidos, escondida em uma página discreta do diário oficial de uma Câmara Municipal, entre tantos outros atos que ninguém vai questionar, porque, como disse um especialista, os delitos dos amanuenses nas paróquias não repercutem tanto como a notícia grotesca de que uma tapioca foi paga com cartão oficial a superfaturados R$ 8,30 por um deslumbrado ministro de Estado, um comunista que não tem nada com aquela geração de intrépidos audazes que, por convicção ideológica, levavam uma vida de cão e só comiam o pão que o diabo amassou.
Devolver a grana é o mínimo
Do ponto de vista da ética e dos bons costumes, não há escapadela para os cortesãos deste e dos governos d’antão, de todos os valhacoutos. É devolver o dinheiro usado indevidamente, rasgar os cartões e submeter-se a processo entre os tantos artigos capitulados na fatura de nossos códigos.
Nem a pose de “dama de ferro” da dona Dilma vai conseguir justificar tantas e tão desrespeitosas violações dos deveres elementares dos encastelados nos podres poderes por acidentes de percursos de uma história que, de resto, nunca viu a utopia da austeridade com bons olhos.
Em lugar nenhum, eu lhes assevero; em tempo algum encontrei momentos em que o bem foi hegemônico. Nisso, não tenho constrangimento em dar a mão à palmatória do florentino Maquiavel, cuja crônica é tão atual.
O mais deprimente, é que o avanço sobre o cobre fácil de um erário que cobra de tributos os olhos da cara e mantém sua massa funcional e seus aposentados e pensionistas a pão e água, é que não há exceções: oriundos da nobreza ou da ralé rivalizam-se na insaciável corrida ao butim, como se a temporariedade do acesso ao cofre lhes obrigasse à busca da maior rentabilidade no menor espaço de tempo.
A sensação de que se tem, na leitura dos diários e na audiência dos tele-jornais, é que essa bactéria a todos contaminou. Pelo que li, vi e vivi, há três tipos de sanguessugas: os que estão hoje por cima da carne seca, os que já estiveram e os que tramam para furar a fila e pôr logo a mão no filé mignon.
Estou fora
Não me considero nenhum Savanarola - Deus me livre do fantasma desse controvertido “puritano”. Mas me vejo tomado por uma cólera inconveniente, eis que tudo se entrelaça no cipoal do desvario e, paranóia à parte, redunda no próprio esbulho do meu mandato parlamentar, por uma canhestra cassação liminar, assinada por um desembargador apressado e de malas para recesso do judiciário, sob a égide do sofisma processual, aquela história da carochinha que você conhece: eu teria renunciado ao mandato antes mesmo de empossado e à distância do foro legal.
Até por sacar que sou realmente a inconveniência em pessoa, comunico aos meus leitores que decidi formalizar minha desistiência da pré-candidatura a prefeito no âmbito do meu partido. Tomei a iniciativa meio alquebrado por uma roda viva que me exaspera enquanto homem público e a avaliação de que essa indefinição está gerando mau entendido até entre os correligionários, como se minha pretensão estivesse associada à perda temporária do mandato em circunstâncias tão kafkianas.
O que não quer dizer, enfatize-se, que estou renunciando a coisa alguma. Nem ao mandato conferido pela quarta vez, que hei de resgatar apesar das cartas na mesa, nem às trincheiras de hoje, nem aos possíveis embates do amanhã.
Porque é da guerra sem quartel que tenho sorvido a melhor seiva de minha vida.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
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